Política

Autoridades encaram redução da maioridade penal como retrocesso

Foto: Ahmad Jarrah / Circuito MT

Em consonância com o entendimento mantido pelo secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos de Mato Grosso, Márcio Frederico de Oliveira Dorilêo, que não vê na redução da maioridade penal solução para o problema da violência, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou relatório em que aponta os avanços na garantia de direitos das crianças e adolescentes desde a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), há 25 anos. O documento também alerta para os riscos de uma possível redução da idade penal no país. 

Conforme documento do órgão das Nações Unidas, o Brasil vive sob ameaça de retrocesso com as discussões sobre redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. O documento aponta que, com a criação do ECA, o adolescente deixou de estar submetido às “decisões arbitrárias de juízes de menores” e passou a ser tratado “como pessoa em condição especial de desenvolvimento”. 

Por meio do relatório, Unicef argumenta que a redução da idade penal “não só não resolverá a questão da violência como poderá agravá-la”, acrescentando ainda que o sistema penitenciário adulto brasileiro é mundialmente conhecido por problemas como superlotação, torturas sistemáticas e incapacidade de reintegrar os recuperandos. “Nesse sistema, os adolescentes estarão expostos às facções do crime organizado e às precárias condições do sistema prisional brasileiro”, diz trecho do documento. 

“Importa ressaltar que a preocupação com a criminalidade infanto-juvenil funciona, na realidade, mais como um instrumento de marginalização da população pobre do que uma ampliação e um reconhecimento dos direitos civis dos jovens. Num país atingido por fortes desigualdades sociais e de direitos, as propostas favoráveis à redução da maioridade penal (ou ao aumento do tempo de internação) são cúmplices deste processo de criminalização da pobreza, jogando para o aparelho carcerário-punitivo os grupos e indivíduos mais vulneráveis psicológica, social, econômica e culturalmente”, completou o coordenador do Programa de Justiça da organização não governamental Conectas Direitos Humanos, Rafael Custódio. 

Em setembro de 2014, outro relatório do Unicef colocou o Brasil em 6º lugar no ranking na taxa de homicídios de crianças e adolescentes de zero até 19 anos de idade, com 17 mortes por 100 mil habitantes. Os dados foram coletados em 2012. Nesse estudo, o país ficava atrás de apenas de El Salvador (27 por 100 mil), Guatemala (22), Venezuela (20), Haiti (19) e Lesoto (18). As mortes de jovens no Brasil não preocupam somente órgãos como a Unicef, mas partes do poder público, privado e terceiro setor de diferentes países. 

Avanços gerados pela legislação brasileira nas áreas de saúde, educação e combate ao trabalho infantil são significativos. Entretanto, segundo o Unisef, houve aumento de homicídios de crianças e adolescentes. Segundo o Fundo, 28 crianças e adolescentes são assassinados por dia no Brasil, de acordo com dados do Sistema Único de Saúde, o Datasus. Foram 5.000 casos no ano de 1990 e 10.500 em 2013. Os dados apontam o longo caminho que todos têm pela frente para diminuir os índices de violência. 

Em defesa do ECA 

Em Mato Grosso, o governo publicou o Plano Decenal de Atendimento do Socioeducativo de Mato Grosso 2015-2024, aprovado pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca-MT). O Estado foi o único da região Centro-Oeste a elaborar o plano, que é instrumento de verificação dos controles interno e externo do Estado, bem como do próprio controle social. 

Para os próximos 10 anos foram estabelecidos quatro eixos de execução de políticas na gestão do atendimento socioeducativo: qualificação do atendimento, participação cidadã e autônoma dos adolescentes, fortalecimento dos sistemas de justiça e segurança pública. 

De acordo com o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Márcio Frederico de Oliveira Dorilêo, o Plano tem por princípios temas como: respeito aos Direitos Humanos dos/as adolescentes; reconhecimento e tratamento do/a adolescente enquanto pessoa em desenvolvimento, sujeito de direitos e responsabilidades; garantia de atendimento especializado para adolescentes com deficiência; por diretrizes à humanização do atendimento nas Unidades de Atendimento Socioeducativo; criação de mecanismos de prevenção, mediação de conflitos e práticas restaurativas; presunção da inocência do adolescente; e a valorização dos operadores da socioeducação e formação continuada; dentre outros. 

O Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH), entidade vinculada à Sejudh, tem executado diferentes ações em que se posiciona contra a redução da maioridade penal (PEC 171). A coordenadora do CRDH, Edna Sampaio, agregou também a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) na luta contra a aprovação da PEC.

“Nós temos escolas estaduais nos 141 municípios do estado e quando vamos verificar o problema dos menores infratores percebemos que eles já evadiram da escola muito antes de cometerem a infração. E percebemos também que já sofreram muitas violações dos direitos humanos que poderiam ter sido evitadas se tivéssemos uma articulação maior das outras áreas de políticas públicas com a educação”, analisou a coordenadora. 

Entidades que atuam diretamente com a garantia dos direitos humanos são enfáticas ao afirmar que a redução da maioridade penal é um golpe contra o ECA. O Unicef se manifestou contrário à redução, defendendo que não será uma política benéfica. Para o coordenador do Programa Cidadania do Adolescente do Unicef no Brasil, Mário Volpi, é preciso “garantir que o que está na legislação seja aplicado no dia a dia”. O posicionamento é seguido pelo secretário da Sejudh, que defende a ampliação dos direitos dos adolescentes, não a redução. 

Mobilizações em defesa do ECA também têm sido promovidas pela “Frente Nacional contra a Redução” em cidades como Macapá, Salvador, Fortaleza, Belém, Curitiba e no Rio de Janeiro. A PEC vai passar por mais um turno na Câmara e, se obtiver novamente a maioria entre os deputados, seguirá para a avaliação do Senado antes de entrar em vigor – a menos que seja questionada, em algum momento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

O assunto tem feito grandes lideranças, a exemplo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, se posicionarem sobre o assunto. Em artigo publicado no dia cinco de julho em diversos jornais, inclusive o EL PAÍS (periódico espanhol), o ex-presidente argumentou que “espera-se das oposições que sejam progressistas também no campo comportamental: que não defendam a redução da maioridade penal, mas sim a extensão da pena dos menores infratores em dependências que sejam condizentes com a dignidade humana”. 

Com assessoria

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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