Fotos: Ahmad Jarrah / Circuito MT
Aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados em Brasília, a PEC 171 que visa à redução da maioridade penal gera um clamor social pela legitimação, uma vez que o país sofre com índices elevados de violência. No entanto, há quem busque resolução dos problemas pelas consequências e não pelas causas. Assim pensa o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado, Marcio Dorilêo. Defensor público de Mato Grosso desde 1999, o gestor explicou através de argumentos firmes e com embasamentos críveis o seu ponto de vista sobre o caso, o investimento em educação e políticas públicas, além da penalidade justa aos menores infratores.
Confira na entrevista a seguir.
Circuito Mato Grosso: Secretário, o senhor é favorável à redução da maioridade penal?
Marcio Dorilêo: Absolutamente contra. Primeiro vamos ao fundamento: o porquê da existência de um parâmetro fixado na Lei de Imputabilidade Penal. O Código Penal adotou um critério biopsicológico, na década de 40. A questão de estabelecer a maioridade penal com 18 anos é fruto de pesquisas de desenvolvimento psicossocial de um adolescente. Quando o Brasil editou o Estatuto da Criança e do Adolescente que é uma norma, referência internacional, levou em consideração que crianças e adolescentes são seres em desenvolvimento. Por serem seres humanos em desenvolvimento, eles não adquiriram a percepção completa de desenvolvimento para entender o caráter ilícito de um fato e proceder de acordo com esse entendimento. É claro que alguns adolescente adquirem, até com 12 anos de idade. Outros, com 21 ainda não adquiriram. Mas é um critério que a lei definiu como um marco regulador.
CMT: O senhor acredita que há impunidade aos jovens infratores?
M.D: Muita gente fala que há impunidade em relação aos adolescentes. Isso é um grande equívoco. Não há impunidade. Eles recebem medida de internação como punição máxima, e que é uma sanção à liberdade. O que poderia ser discutido é o tempo de internação ser aumentado em alguns casos. Agora, reduzir a maioridade penal, não.
CMT: E a impunidade? Onde fica?
M.D: Você pode pensar: “Vai reinar a impunidade?”. Não. Nós temos uma Lei de Execução Penal, temos um Código Penal, com penas severas. O que nós precisamos é melhorar a qualidade das prisões, não só no aspecto estrutural, mas no carácter de ressocialização, humanização do sistema, dar condições de trabalho para os servidores do sistema prisional para que possamos diminuir índices de reincidentes. É um desafio para o público diminuir os índices de reincidentes. No Brasil, esses índices superam a casa dos 70%, aqui em Mato Grosso temos dados na faixa de 40% a 50%. Entre os adolescente o índice de reincidência é menor, 12%.
CMT: Como o senhor observa a política de encarceramento?
M.D: Os países de todo mundo estão percebendo que a política de encarceramento está na contramão da história. Ela tem servido para excluir pessoas vulneráveis, para excluir refugiados, pobres, mulheres, usuários de drogas… Está parecendo uma política higienista da Segunda Guerra Mundial, quando Hitler queria uma sociedade ideal, uma raça pura, e quando nasciam ciganos, negros, judeus, eles excluíam e mandavam para um campo de concentração. Os EUA chegaram à conclusão que a política de encarceramento não resolveu o problema da violência. O Brasil está, em dados globais, como o 3º país. Em relação a presos em regime fechado, está na 4ª posição. Os EUA estão em primeiro, seguidos de China e Rússia. Quando colocados presos do semiaberto e aberto, estamos em 3º lugar.
CMT: De que forma o Estado trabalha a questão do jovem infrator?
M.D: Dá pra gente trabalhar esse jovem em uma perspectiva de ajudar na construção do carácter dele, porque são pessoas em desenvolvimento. É diferente de quando uma pessoa já é criada e formada para você incutir nela outros valores culturais, éticos e morais. É muito mais fácil quando eles estão abertos a aprender, a desenvolver habilidades e competências, nesta faixa do desenvolvimento intelectual, moral e da personalidade. Isso os educadores falam, é mais fácil trabalhar isso com crianças e jovens. Quando os índices da Secretaria Nacional de Segurança Pública demonstram que nos crimes praticados com violência que resultam em morte, latrocínios e homicídios, nem 1% é praticado por adolescentes de 16 a 18 anos.
CMT: Qual é a realidade das cadeias públicas do Estado?
M.D: Já existe um déficit no sistema penitenciário brasileiro de mais de 50%, em um universo de 600 mil presos. Nós já temos pautas de vagas, e os deputados precisam discutir isso. E é papel deles, não só responsabilidade do Poder Executivo. Estão criando uma situação que vai gerar despesa imediata que o Estado brasileiro não dispõe de recursos para isso. E é uma saída muito cômoda para um problema que precisa ser resolvido de forma ampla, holística, de carácter preventivo, e no aperfeiçoamento das medidas que já existem no sistema socioeducativo.
CMT: E no caso de a PEC 171 ser aprovada? O que pode acontecer, do ponto de vista do senhor?
M.D: Se a emenda for aprovada, haverá uma dificuldade muito grande para os estados. Pois são os estados que recebem essa demanda e que gerem a política socioeducativa. O impacto imediato é a necessidade da construção de novas unidades penais para ter mais vagas. Os governadores estão tendo dificuldade em equilibrar as finanças, e a própria União reconhece a dificuldade de investimentos. É uma coisa que precisa ser discutida com mais profundidade. Os 24 secretários que assinaram o documento em Brasília pediram para que os deputados, congressistas, senadores ponderem e aprofundem a discussão.
CMT: O senhor acredita que há uma deficiência no debate sobre estes jovens?
M.D: Sim. Ninguém está discutindo a violência sexual contra muitos destes jovens que depois viram abusadores. Primeiro eles foram violentados, aí não tiveram acompanhamento psicossocial esse transforma em violadores de crimes sexuais. Ninguém percebe o que temos no dia a dia nas periferias. Agora pergunto: é só pobre que comete crime? Por que só pobre está no Pomeri? Por que só pobre está no sistema socioeducativo? Filho de rico não comete crime ou um ato infracional? Por isso eu sou contra a redução da maioridade penal. Porque só vai sobrar para o pobre.
CMT: Como o senhor enxerga as medidas adotadas para a redução da maioridade penal?
M.D: São uma forma de exclusão. Eu sou favorável ao endurecimento das leis penais para as condutas mais graves, proporcionalmente, que resultem principalmente no desvio de recursos públicos que deveriam atender às políticas de vulneráveis de crianças e de jovens. O dinheiro que falta para a nossa secretaria, o dinheiro que falta para todas as secretarias exercerem políticas públicas, às vezes foi aquele dinheiro que foi desviado. Então, essas pessoas deveriam sim passar 30 anos na cadeia. Essa reprovação deveria ser pedagógica na sociedade. Pois são pessoas conscientes que têm livre determinação na sua vida. São maiores que tiveram oportunidade de estudar. São pessoas bem-sucedidas que não precisaram fazer o que fazem por ganância ou egoísmo. Na minha modéstia visão, se for aprovada a redução, o Congresso Nacional vai transferir o problema e vai colocá-lo para debaixo do tapete. Não vai resolver o problema pela causa, vai atacar pela consequência, e nós temos que atacar as causas.
CMT: O senhor acredita que pode resultar em conflitos internacionais estas novas medidas?
M.D: O medo da população é que se começar a endurecer a política segregatória, daqui a pouco vão começar a prender os haitianos que estão aqui. Porque a Europa está preocupada com os movimentos de imigração da África, da Arábia, todos os países que estão tendo dificuldades econômicas. E a tendência internacional é termos países cooperando, porque o cidadão que tem direito humano preservado no país ele deve ser acolhido em qualquer lugar no mundo. O Brasil é conhecido como uma nação acolhedora por conta da história, que conta o acolhimento de pessoas de outros cantos do mundo. Mas parece que a população está andando em passos contrários, e daqui a pouco vamos retroceder para aquilo que está acontecendo em outros países que nós criticamos, quando a tendência é outra, quando podemos acolher pessoas de outros países. E vamos ser mal vistos perante a comunidade internacional, por conta desse retrocesso nas conquistas e garantias fundamentais do cidadão.
CMT: Como iremos diminuir a violência no país?
M.D: Eu acredito que todos nós, o ser humano na sociedade, é investir e praticar mais educação. Hoje, em uma perspectiva transversal, o governo está preocupado em fazer isso. Não basta focarmos na perspectiva só da nossa secretaria. O governo está tendo ações integradas com a Assistência Social, Política de Saúde, porque o jovem vulnerável, se tem problemas com drogas, ele precisa ser tratado. Se a família dele tem problemas de inserção na economia local, eu preciso exemplificar como trabalhar a capacitação do pai e da mãe, para ele ser inserido na sociedade. O que não posso é virar as costas e jogar nas costas da pessoa vulnerável a responsabilidade da causa do problema.
CMT: Como o senhor avalia a opinião pública, que tende mais à aprovação da PEC 171?
M.D: Tem que haver muito cuidado com a democracia quando ela se distorce no conceito das ideias na cabeça das pessoas. A democracia não se faz tão somente de votação e de discussão. A democracia é uma construção que ainda estamos exercendo. A população é induzida a isso, porque existe um déficit de cidadania. A sociedade está reproduzindo um discurso de uma elite que quer a exclusão, que quer a incriminação, que quer a segregação. E esse discurso é perigoso com uma postura política perigosa, porque a partir daí o nazismo se fortaleceu. Porque tudo que foi feito na Segunda Guerra Mundial foi feito à luz da lei. O positivismo instituído em um sistema de um Estado totalitário. Eles alegavam que cumpriam a lei, mas temos que preocupar com a justiça. E nem sempre aquilo que está na lei é justo.
CMT: E sobre o discurso de alguns políticos que apoiam a redução?
M.D: Temos que ter cuidado com o discurso moralizador e moralista de alguns políticos, que às vezes podem estar por trás destes discursos interesses pessoais e meramente eleitoreiros, além de oportunistas. A indústria que mais fatura no mundo é a indústria bélica, armamentista e de segurança. Para fomentar o lucro disso, precisa estabelecer o caos. É deixar a sociedade insegura, e eles vêm e ganham muito dinheiro. A gente está refletindo algo sem raciocinar, só seguindo o sistema. Essa loucura não pode existir, isso não é sociedade ou civilização. Estamos regredindo para a barbárie.