Acordou com uma saudade louca do #Lemequenaosaidemim.
Pegou o rumo oposto, a contragosto.
Deixou para trás o reino e Nápoles e as agruras de Alex Dumas. As que inspiraram Alexandre, seu filho, a escrever o “Conde de Monte Cristo”. Ele é o personagem principal de “O Conde Negro”, Pulitzer de biografias de Tom Reiss. Difícil parar um mundo desses para quem é fã de leitura. Conseguiu. Pedra, por pedra, foi para a do Arpoador.
Cruzou a Praia do Diabo ao ouvir o som. De lá, pulando que nem cabrito foi para a ponta mais ponta da Pedra do Arpoador, nem lá nem cá. Onde borrifos de finas franjas de maresia das ondas inconstantes salgavam os poucos solitários. Os que trocaram a imagem paradisíaca do postal Ipanema, Leblon, Morro Dois Irmãos e Vidigal pela força do mar e duas ilhas praticamente inóspitas, num horizonte sem fim.
Continuou seguindo os navios ao longe, muito longe, com a maré alta. Eles se dirigiam à entrada da Baia de Guanabara. Lá, depois do Morro do Leme assinalado pela bandeira brasileira encravada no alto do Forte da Vigia…
Era desse lado que vinha o som. O lamento do vento falava uma língua conhecida, ora murmurando numa inquietude vacilante, ora uivando sua revolta. Salgando com minúsculas lágrimas quem não se incomodasse com seu arrepio gelado e parasse para tentar entender suas lamentações.
Ele contrastava com o sol acolhedor e silencioso do outro lado da Pedra do Arpoador. Avisava. E quem avisa amigo é. Tentava evitar que a parede de nuvens engolisse de vez os Dois Irmãos, escurecendo o lado sul. Sabia. Seu esforço apenas retardaria um pouco a mudança eminente do tempo e da paisagem.
Nada disso provocou o ato de (d)escrever. Um estímulo especial veio do encontro de alguns músicos, desses que tocam de bar em bar, a procura de um parceiro que havia prometido bater ponto ao lado da escultura de Millôr Fernandes, na quina do Arpoador com a Praia do Diabo.
Pois não é que mesmo sem ir ao samba ele veio se juntar a música do vento, agora sussurrante?
E, entre todas as possibilidades e hits disponíveis no encontro de repertórios, um dos músicos começou. Só na voz:
– “Não… Ninguém faz samba só por que prefere…” – O vento respondeu com um gemido, antes mesmo do dedilhar do início do solo no violão conseguir responder a introdução.
– Tá baixo – reclama o pandeiro. A pausa é tão sutil que não muda o ritmo nem o andamento dolente.
– “Força nenhuma no mundo interfere, sobre o poder da criação…” – responde o cantor violeiro. Sem subir o tom, nem dar a mínima para o entorno. Quem quisesse que viesse. Ele ia em frente recitando os versos do mantra do Paulo César Pinheiro e João Nogueira, “O Poder da Criação”, em sintonia com o universo.
O tom baixo subindo lentamente com a força da música. Voz e violão.
– “Ela é uma luz que chega de repente, com a rapidez de uma estrela cadente e acende a mente e o coração” – À frente a luz vai mudando. Caindo lentamente, ao contrário do tom da música. Ciente de que nada o impediria de seguir adiante, embalado pelas lindas palavras do samba-canção, o tamborim começa a marcar o ritmo pungente, se preparando segurar a para virada.
– “E o poeta se deixa levar por essa magia e o verso vem vindo e vem vindo uma de uma melodia e o povo começa a cantar! Lalaia…
Como cada um faz seu canto como pode, abre a bolsa saca o caderninho da vez e a caneta. Nem nota o momento em que os músicos tomam seu caminho deixando a música para trás, nas páginas de mais uma crônica do Sem Fim…