Que a saúde no Estado é um tema delicado não é segredo para ninguém. Desde que as Organizações Sociais de Saúde (OSSs) – modelos de gestão em que a saúde pública fica nas mãos de empresas privadas – foram implantadas em Mato Grosso, não são poucos os casos de denúncias que vão desde favorecimento a essas organizações ao custo do sucateamento da estrutura pública até conluios entre médicos e planos de saúde, de modo a passar a conta integralmente ao SUS. O Hemocentro não é exceção e passa por um período conturbado.
Um exemplo desta realidade pode ser encontrada num edital recentemente lançado pelo Governo do Estado. O pregão eletrônico n. 013/2015/SES, cujo objeto é a “Locação de equipamentos e aquisição de BOLSAS PARA COLETA DE SANGUE, a fim de atender o MT-Hemocentro/SES”, pretende alugar equipamentos, por 12 meses, para serem utilizados na única unidade pública dessa natureza na capital – o Hospital e Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá (HPSMC) realiza apenas coletas e transfusões.
Umas das máquinas que o Estado pretende alugar é o chamado “homogeneizado de bolsa de sangue”, aparelho que a partir de amostras coletadas de sangue, faz o levantamento e análise de dados dos mesmos, de forma a encontrar vestígios de doenças e outras anormalidades em nosso organismo. Segundo o edital, doze máquinas são previstas para serem “alugadas”, o que multiplicando por doze meses dá um total de 144 locações que a Secretaria de Saúde deve desembolsar.
Numa pesquisa feita em lojas e fábricas especializadas nesses tipos de equipamento, é possível encontrar homogeneizadores com custo variável entre R$ 500 e R$ 6000, dependendo da tecnologia empregada. A questão aqui não é a necessidade de tais aparelhos e sim a opção por sua locação.
Do ponto de vista da economia e da eficiência, conceitos basilares da administração pública, podemos questionar a viabilidade da locação desses equipamentos durante 12 meses para depois devolvê-los – e ficarmos sem nenhum sabe-se lá por quanto tempo. Ocorre que isso dá margem para interpretarmos se este recurso não poderia ser investido em sua aquisição: com o aluguel de 12 homogeneizadores de R$ 6.000 durante doze meses, por exemplo, certamente seria possível a compra definitiva de ao menos alguns deles.
Se a opção for pelo aluguel de modelos mais baratos, aí a justificativa da locação fica ainda mais frágil.
Hoje o MT-Hemocentro possui cadastrado em seu Banco de Dados mais de 90 mil potenciais doadores. Desse total, em torno de 57% são compostos por homens e 43% são mulheres, numa rede composta por 16 unidades de coleta e transfusão e 29 agências transfusionais.
"Servidor compra luva para trabalhar”
Os servidores do MT-Hemocentro denunciam uma série de situações que colocam em xeque a prestação de serviço na instituição que fornece sangue e hemoderivados a hospitais da rede pública e privada.
Joaquim* trabalha já há alguns anos no MT-Hemocentro. Durante todo o tempo que atuou, e ainda atua, como um profissional-chave da instituição, ele testemunhou por diferentes gestões os altos e baixos dos serviços prestados e realizados – além da situação dos trabalhadores ao longo desses anos. O medo de represálias, “pois a perseguição lá dentro é bem forte”, segundo o profissional, o fez solicitar pelo anonimato, motivo pelo qual seu nome será preservado.
O medo, no entanto, não impediu este trabalhador de apontar situações surreais vividas pelo cotidiano dos profissionais do MT-Hemocentro, que precisam tirar dinheiro do próprio bolso para atender a população.
“Há uma coisa desagradável e que acontece no MT-Hemocentro para quem luta por melhores condições de trabalho e dignidade daqueles que nos procuram que é a perseguição a funcionários, assédio moral pesado”, afirmou.
De acordo com Joaquim, o MT-Hemocentro passa por uma grava crise, que já se estende há algum tempo, sobretudo no fornecimento de alimentos para aqueles que vão doar sangue. De acordo com o profissional, “não há lanchinhos para serem distribuídos aos doadores”, e a instituição precisa recorrer à boa vontade das pessoas.
“Não temos disponibilidade para oferecer lanchinhos para as pessoas. Infelizmente, temos que depender de doações. A gente tem fornecido bolachas para as pessoas, porque não temos lanches”.
Joaquim relata ainda a utilização de materiais pessoais, dos servidores, para atendimento à população.
“O servidor aqui traz luva de casa, senão não trabalha. Kit para fazer hemograma nunca tem. É uma série de dificuldades. A gestão atual, que não aceita críticas, quer passar a imagem de que está tudo bem. Mas é o contrário”.
Greve esta prevista para julho
O Sindicato dos Servidores da Saúde e do Meio Ambiente de Mato Grosso (SISMA-MT), que também agrega os profissionais do MT-Hemocentro, decidiu pela paralização das atividades a partir do dia 14 de julho, em assembleia realizada na última sexta-feira (26).
Entre as pautas do sindicato, discutidas na reunião e que servirão de reinvindicação dos trabalhadores, esta a tomada de decisões de maneira unilateral, promovidas pelo Governo do Estado, e já denunciada nas páginas do Circuito Mato Grosso na edição 534, que tratava dos repasses aos fundos municipais de saúde, sem justamente ter passado pelo crivo do Conselho Estadual de Saúde.
Ainda segundo o presidente do SISMA-MT, Oscarlino Alves, é necessário dar condições de trabalho mínimas aos servidores.
“Temos apontado os problemas que vão desde problemas com a estrutura física, mobiliários, falta de medicamentos e insumos, recursos humanos. Protocolamos diversos documentos contendo as necessidades da Saúde. A lista de reivindicações não proporcionaram uma agenda positiva junto ao governador do Estado de Mato Grosso”.