A desaceleração da economia acabou com a bonança do mercado de trabalho brasileiro – mas o que isso quer dizer, na prática, para quem está desempregado ou quer mudar de emprego? Onde procurar e o que esperar do mercado em um cenário de crise?
Segundo a Pesquisa Mensal do Emprego (PME) do IBGE, no mês passado, o índice de desemprego nos seis principais centros metropolitanos brasileiros ficou em 6,7%, contra 6,4% de abril e 4,9% do mesmo mês do ano passado. Trata-se do maior patamar para o mês dos últimos cinco anos.
O rendimento médio real do trabalhador também caiu. Ficou em R$ 2.117,10 em maio. Em abril era de R$ 2.158,74 e no mesmo período do ano passado, de R$ 2.229,28.
Nos últimos anos, se tornaram relativamente comuns nos grandes centros urbanos brasileiros casos de profissionais que pulavam de um emprego a outro, atraídos por salários mais altos e melhores condições de trabalho.
Do outro lado do balcão, os empresários reclamavam da alta "rotatividade" dos trabalhadores e ofereciam benefícios para reter funcionários.
Agora que a crise chegou ao mercado de trabalho, mais brasileiros estão perdendo seus empregos e a competição pelos postos disponíveis está cada vez mais acirrada. As oportunidades também demoram mais para aparecer, como relatam consultorias de Recursos Humanos ouvidas pela BBC Brasil.
"É ilustrativo dessa deterioração do mercado o fato de que, pela PME, o único setor que teve um crescimento significativo do emprego e do salário nos últimos meses seja o de serviços domésticos", nota Raone Costa, economista da Catho-Fipe que está desenvolvendo um estudo para mapear a abertura de vagas na economia.
"Isso mostra que, sem alternativas, muitas pessoas estão voltando a trabalhar como empregadas domésticos, apesar de essa ser uma ocupação de baixa remuneração e especialização."
A rápida desaceleração do mercado, porém, não quer dizer que as boas oportunidades desapareceram por completo. "Alguns setores estão mais resilientes, gerando emprego, ainda que em um ritmo mais lento", diz Costa.
Márcia Almstrom, diretora da ManpowerGroup, e Natasha Patel, da consultoria Hays concordam: "O contexto econômico está mais desafiador – ou seja, está mais difícil para todo mundo. Mas embora as oportunidades estejam menos numerosas, elas continuam a existir", diz Almstrom.
"Até porque, além dos setores que estão relativamente bem, também temos as substituições nas empresas que estão se reestruturando. Há uma procura por profissionais mais ecléticos e flexíveis, aqueles que conseguem sair-se bem em um contexto de crise."
"É algo natural em momentos de baixo dinamismo econômico: se há muita gente chorando vai ter alguém vendendo lenço", resume Henrique Bessa, diretor da consultoria Michael Page.
Tanto Almstrom, quanto Bessa relatam que, no geral, as empresas estão oferecendo salários mais baixos do que há alguns meses.
"As companhias estão repensando seus padrões salariais e estão muito mais cautelosas em assumir compromissos que representem gastos fixos", diz a consultora da ManpowerGroup.
Ambos recomendam que, antes de sair em busca de um novo trabalho, o profissional tente identificar o que exatamente está motivando o seu desejo de mudança.
"Você pode querer mudar porque quer trabalhar mais perto de casa, deseja atuar em outro segmento ou não aguenta mais seu chefe. Mas se a motivação for a remuneração, precisa estar ciente de que hoje está mais difícil uma mudança com ganhos salariais significativos", diz Almstrom.
"Para evitar armadilhas, o trabalhador também precisa considerar os riscos de trocar de empresa, deve se informar bem sobre as perspectivas do setor em que vai atuar. Se a nova companhia passar por dificuldades, por exemplo, um cenário possível é que ele seja cortado antes mesmo de conseguir provar sua eficiência", completa Bessa.
No que diz respeito as diferenças setoriais, há certo consenso de que enquanto as empresas da área de petróleo e gás, construção civil, montadoras e a indústria de transformação têm sofrido um "impacto brutal" com a desaceleração, no setor de serviços há um pouco mais de resiliência.
Bessa diz que também pode haver oportunidades em setores exportadores ou aqueles que, por questões estruturais, têm boas perspectivas de crescimento no longo prazo.
Seria esse o caso da área de Saúde, por exemplo, uma vez que o envelhecimento da população tende a aumentar a demanda por esses serviços. "Também as áreas de educação e tecnologia têm boas perspectivas", diz ele.
1. Tecnologia
A Catho, site de empregos líder no Brasil, diz que só no mês passado foram anunciadas mais de 10 mil postos de trabalho nessa área.
Entre os cargos com mais vagas abertas estariam Analista/Técnico de Suporte, Desenvolvedor e Programador.
Para o cargo de diretor de TI, a Catho diz que o salário médio seria de mais de R$ 17 mil, e para o de gerente de TI, de mais de R$ 7 mil.
"Os sites de internet, empresas de tecnologia e startups têm conseguido seguir na contramão (do aumento do desemprego) e se manter em crescimento. E o que é melhor: com salários atraentes", diz uma nota da empresa.
Patel, da Hays, confirma que a área ainda está mostrando algum dinamismo no que diz respeito a contratações. "Empresas de todos os setores estão tendo de investir nessa área. E, em especial, vemos uma grande demanda por desenvolvedores", diz ela.
2. Saúde
Henrique Bessa, da Michael Page, diz que as boas perspectivas de longo prazo fazem com que os serviços da área de saúde mantenham as contratações mesmo em meio a crise.
Essa é uma das áreas em que muitas famílias resistem em fazer cortes quando são obrigadas a enxugar o orçamento. E fenômenos como o envelhecimento da população e maior acesso a planos de saúde privado também contribuem para criar boas perspectivas para o setor.
Hoje, o segmento já representa 10% do PIB e deve continuar a atrair muitos investimentos – inclusive de fora do Brasil, uma vez que desde o início do ano está permitida a entrada de estrangeiros nessa área.
"Independentemente dos ciclos econômicos, esse é um setor que deve continuar crescendo e atraindo investidores que 'pensam o Brasil' no médio e longo prazo", diz Bessa.
3. Educação
Os cortes e incertezas ligados a programas governamentais da área de Educação, como o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) e o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil ) tiveram algum impacto negativo sobre a rede privada de ensino superior.
Mas o mercado de trabalho do setor de Educação como um todo tem mostrado grande resiliência em meio à desaceleração, segundo Bessa e Natasha Patel, diretora da consultoria Hays.
"Trata-se de um segmento que atrai muitos investimentos porque exige um aporte inicial relativamente baixo se comparado, por exemplo, a exploração de petróleo ou a construção civil e, no longo prazo as perspectivas são de crescimento", diz Bessa.
"Por isso, não me surpreende que haja uma resiliência na geração de vagas tanto nas funções acadêmicas quanto nas administrativas."
4. Seguros e setor financeiro
"Os profissionais da área financeira ainda são relativamente demandados, mas os que podem se mover com mais facilidade são aqueles que têm um entendimento mais amplo dos negócios – ou seja, que sabem não só o que é preciso para enxugar os custos, mas também como ampliar as vendas", opina Almstrom.
O setor de seguros e os bancos, em particular, estão resistindo bem à desaceleração da economia, apesar de analistas manifestarem alguma preocupação com um aumento dos índices de inadimplência e com a exposição de alguns grupos a empresas que podem passar por dificuldades em função das repercussões da Operação Lava Jato.
"Dentro desse setor, há uma demanda crescente por alguns profissionais específicos, como os da área de compliance (que cuida dos controles e regras de transparência), em função dos escândalos internacionais recentes", diz Bessa.
"Para quem busca uma oportunidade em banco, porém, também é preciso ter em conta que a saída do HSBC do Brasil deve ter um efeito no aumento dos candidatos no mercado. De fato, já estamos recebendo um número maior de currículos de profissionais desse banco."
5. Vendas
"O profissional de vendas é quem pode virar o jogo no momento de escassez. Por isso, há uma grande procura por aqueles que de fato conseguem trazer resultado nessa área em empresas de todos os segmentos", diz Almstrom.
"É claro que muitas redes estão enxugando seu quadro de pessoal. Mas, no geral, as empresas têm um limite para cortar pessoal de vendas ou reduzir contratações, já que isso pode afetar muito seus resultados."
Natasha Patel, da Hays, diz que no varejo, em particular, um dos efeitos da desaceleração parece ter sido tornar o consumidor mais sensível a preço. "Mas isso também representa uma oportunidade para alguns segmentos específicos", diz.
"Na área de supermercados, por exemplo, um destaque são os estabelecimentos que fazem vendas no atacado. E se a construção civil está desacelerando as contratações, vemos uma maior resiliência das redes que vendem produtos para a casa. Ou seja, as pessoas podem estar desistindo de comprar um novo imóvel, mas em vez disso, muitas estão reformando o antigo."
6. Agronegócios
A Confederação Nacional da Agricultura reclama que a inflação elevada, a retração no PIB e as taxas de juros crescentes estariam inibindo as atividades da agropecuária brasileira.
Mas o agronegócio ainda deve ter um desempenho melhor que o resto da economia.
Entre os setores que estão crescendo estão a produção de carnes e os produtos florestais.
"Eles estão se beneficiando bastante do aumento das exportações, agora que o real está mais desvalorizado", diz Bessa. "Por isso, também vale a pena olhar para esses setores."
Fonte: Terra