Foto: Bruno Pini
O Tribunal de Contas de Mato Grosso é chamado por quem transita pelo Poder de “céu”. Afinal, cada um dos sete conselheiros recebe mensalmente algo em torno de R$150 mil entre salários, benefícios e verbas de gabinete. Para melhorar ainda mais o clima o mandato é vitalício tal qual acontece com Ministros do STF, STJ e desembargadores do TJ que se aposentam compulsoriamente aos 70 anos. A cadeira em questão é a deixada por Humberto Bosaipo, que renunciou em dezembro de 2014 e desde então movimenta os interesses de diversos candidatos a esta vaga “celestial”.
As discussões em torno da vaga deixada por Bosaipo começaram antes da renúncia do ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT), quando a polêmica ainda pairava em torno da aposentadoria dele – com ou sem salário e benefícios, além das acusações de lavagem de dinheiro e peculato, sobre o tempo em que esteve na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) – retratada à época em primeira mão pelo Circuito Mato Grosso.
No final de 2014, a ex-candidata ao governo do Estado e ficha-suja Janete Riva (PSD) era o nome mais cotado para a vaga, tendo o seu nome sido ventilado, assim como o do deputado estadual José Domingos Fraga (PSD) e, anteriormente o deputado estadual Gilmar Fabris (PSD) também ficha-suja, para assumir a vaga no Pleno do TCE.
Hoje, mais uma vez a disputa se articula nos bastidores e os nomes postos neste momento são os dos deputados Dilmar Dal Bosco (DEM), o presidente da Mesa Diretora da ALMT, Guilherme Maluf (PSDB) e, novamente, o deputado Fraga, tendo em vista que a indicação da vaga neste momento é do Legislativo.
O cientista político Alfredo da Mota Menezes avalia que, na atual conjuntura, o nome mais apropriado seria o do deputado Fraga, tendo em vista que ele já era cotado anteriormente para o posto. “Você não pode achar que o Maluf vai deixar a presidência da Assembleia”, disse ainda Menezes.
Apesar da avaliação do especialista, por trás das portas a conversa é de que Maluf tem interesse sim na vaga, e não é de hoje, e que já teria inclusive conversado sobre o assunto com seus pares.
Mesmo com os burburinhos, Maluf e Dilmar declaram que não têm interesse em ocupar a vaga, o que, se verdadeiro, leva a crer que o nome da vez será mesmo o de José Domingos.
Escolhas à parte, a disputa e a polêmica passam desse campo e vão até uma discussão mais ampla e espinhosa, quando os técnicos e auditores – não apenas do TCE de Mato Grosso, mas do Brasil – se movimentam para que as vagas sejam destinadas, também, ao corpo técnico e que sejam seguidos requisitos para ocupá-la como conduta ilibada, notório saber, experiência com administração, contabilidade ou direito, como prevê a Constituição Federal e Estadual.
Indicação Técnica
Quando Janete Riva foi colocada como nome para a disputa , servidores do TCE se organizaram e realizaram manifestos contra alegando que a referida candidata não preenchia os requisitos para ocupar o cargo.
Além disso, eles vêm brigando, em especial com o Legislativo, para que se faça cumprir a transparência no que tange às indicações realizadas pela ALMT para essa vaga, além do pleito pelo espaço de integrantes do corpo técnico.
O presidente da Associação dos Auditores Públicos Externos do TCE (Audipe), Vander da Silva Melo, explica que a luta deles não é contra a indicação de uma pessoa específica, mas pela lisura na escolha dos nomes e do processo. “Eles têm indicado nomes na calada da noite, sem analisar, com acordos políticos para essas indicações. Eu não sei qual a lógica que a AL utiliza para essas indicações, mas eles não deveriam fazer reserva de mercado, pois isso é maléfico à democracia e aos cuidados com o dinheiro público”, pontou dizendo ainda que é necessário que os nomes sejam sabatinados, com acompanhamento e avaliação da sociedade.
Melo alega que o Tribunal de Contas deveria ser extremamente técnico e que, das quatro vagas de escolha do Legislativo, pelo menos duas deveriam ser destinadas ao corpo técnico e não a parlamentares.
Em 2014 os servidores organizaram, em protesto contra a indicação de Janete e Fabris, um abraço simbólico na sede do TCE e lançaram nota dizendo que "cargo de conselheiro não pode ser moeda de troca". Além da Audipe, a manifestação contou com o apoio da Associação dos Técnicos do Controle Público e Externo do TCE-MT (Astecompe), do Sindicato dos Trabalhadores do TCE-MT (Sinttcontas) e Associação dos Aposentados do TCE-MT (AAPTCE), Fórum Sindical de Mato Grosso e outras entidades populares.
Ao se posicionar sobre os comentários de que a Assembleia Legislativa estaria articulando a escolha de três nomes políticos para ocupar cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, a direção do Sinttcontas esclareceu que “as vagas do Legislativo não são exclusivas de deputados e podem ser ocupadas por qualquer cidadão, de livre escolha da AL, que preencha os requisitos estabelecidos na Constituição do Estado”.
A entidade disse, ainda, entender que das quatro vagas de livre escolha da AL, uma deve ser ocupada por funcionário efetivo de carreira do TCE e uma outra por um representante das entidades representativas de classe como o CRC (Contabilidade), CRA (Administração) e OAB, entre outras, lembrando que tais nomes devem passar pelo crivo dos deputados da AL, respeitando os requisitos técnicos estabelecidos na Constituição, permanecendo assim a AL com as outras duas vagas de sua livre escolha.
“Este entendimento vem sendo defendido pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenacontas), que conclui que estendendo essas duas vagas para serem ocupadas por funcionário e representante de entidade de classe, além de restabelecer a proporcionalidade com as indicações do Poder Executivo, se estaria ampliando a participação maior da sociedade nas decisões importantes que são emanadas do Tribunal de Contas; as outras três vagas são de escolha do Poder Executivo, sendo que uma delas deve ser ocupada necessariamente por um membro do Ministério Público de Contas, a outra por um auditor substituto de conselheiro e a outra de sua livre escolha, respeitando os mesmos requisitos constitucionais”, afirma a direção do sindicato.
Eles disseram ainda não se opor às novas indicações, mas manifestaram a expectativa de diálogo entre a AL, as entidades de classe, o sindicato e a sociedade.
“Estamos sugerindo que a ocupação das vagas atribuídas à AL seja estendida aos funcionários efetivos e entidades representativas de classe, numa tendência que já vem ocorrendo em outros Estados da Federação, como o Amazonas”, aponta a diretoria.
Entrave na briga pelo poder
Mesmo com toda discussão, o espaço, ocupado interinamente pela conselheira substituta Jaqueline Maria Jacobsen Marques (na vaga deixada pelo ex-conselheiro Humberto Bosaipo), o cenário ainda é anuviado.
A escolha do novo membro está interrompida por tempo indeterminado sob ordem judicial do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que acabou suspendendo todo o processo de indicação para a vaga deixada por Bosaipo, independentemente do nome. Ele acatou a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (AID 4812) proposta pela Audicon, contra a emenda que trata da possibilidade de ascensão de auditores ao cargo de conselheiro. A liminar foi proferida no final do ano passado, quando a Assembleia já havia aprovado e iniciava os preparativos para a indicação de Janete Riva ao cargo.
Posição do TCE
O Tribunal de Contas protocolou, na quarta-feira (13.05) na Assembleia Legislativa, nota técnica explicando alguns pontos da disputa pela vaga e sua polêmica.
O documento explica que o TCE não estaria impondo critérios para escolha do novo conselheiro: “O TCE não tem competência e nem poder decisório para escolha de pessoas que possam vir a ocupar a vaga. A indicação, escolha e nomeação para tal cargo é função dos poderes Executivo e Legislativo, de acordo com a Constituição Federal, artigo 73, parágrafo 2º e artigo 75 e artigo 49 da Constituição do Estado, logo cabe exclusivamente ao Legislativo estadual escolher”.
Sobre a questão do conselheiro substituto, a posição foi de que a vaga é ocupada alternadamente, de ano em ano pelo conselheiro substituto escolhido, até que outro conselheiro seja efetivado. “Não há previsão legal de prazo para tal substituição e os trabalhos não podem ser retardados, portanto deve haver um rodízio anual entre os substitutos na vacância da vaga”.