O ano era 1981. A cidade era Diadema. Mais especificamente a Rua dos Manacás, perto da Estrada Água Santa e da Represa Billings. Um clube foi fundado ali para disputar apenas campeonatos de várzea. O nome não foi tão criativo: Água Santa mesmo. Mas o apelido foi: pela proximidade com as águas, foi chamado de Netuno, o deus romano do mar. E a ascensão foi impressionante: após 30 anos, resolveu se profissionalizar, conquistou três acessos seguidos e agora já está na elite do Campeonato Paulista .
A história é bonita, mas não é tão simples. Uma das dificuldades para esse fenômeno virar realidade foi enfrentar insinuações na região de que seria o "time do PCC", maior organização criminosa de São Paulo. Boatos dizem que o clube é financiado pelo tráfico de drogas e usado para "lavagem" de dinheiro. Mas nada foi comprovado. O presidente do clube, Paulo Farias, comenta sobre o assunto com naturalidade, nega todas acusações e apresenta explicações para o surgimento desse boato.
"Isso me chateia muito. Como era um time da várzea, milhões de pessoas passaram pela agremiação. E por ser em Diadema (considerada a 16ª cidade mais violenta de São Paulo em 2014), existia isso. Mas hoje não existe nenhum tipo de facção criminosa dentro da diretoria ou do clube. Pessoas mal intencionados espalharam esse boatos porque o time é de Diadema. E também foi espalhado por pessoas que são do time rival, o CAD (Clube Atlético Diadema) . Eu era sócio-fundador lá e teve um rompimento. Então saímos, assumimos o Água Santa e começaram esses boatos", afirmou ele, reiterando também que as contas do clube estão abertas para a polícia. "Tenho certeza que isso vai ficar apagado", acrescentou Paulo.
De fato isso não é o mais importante sobre o Água Santa. O time já é maior do que isso, por causa dos feitos que conquistou. Foi profissionalizado em 2012, disputou a quarta divisão paulista em 2013 e subiu. Disputou a terceira em 2014 e subiu. Disputou a segunda em 2015 e subiu de novo. E se engana quem pensa que este último, garantido no último domingo, foi o mais difícil: "o pior foi o primeiro. A gente tinha acabado de sair da várzea e não tinha experiência no profissional", analisa Paulo, que também lembra de um fato curioso e importante: naquela época, o clube contou com o ex-jogador Capitão, ídolo da Portuguesa, como coordenador do departamento de futebol, para dar essa experiência que faltava.
Agora o Água Santa pode sonhar com feitos ainda maiores. "Vai ser memorável enfrentar Palmeiras, Corinthians, São Paulo e outros grandes times do interior. É muito bom para mostrar um outro lado da cidade, que é considerada muito violenta. Com o time, mostra para o jovem que ele pode procurar um outro futuro melhor para si". No primeiro ano em que se profissionalizou, 2012, o Água disputou apenas categorias de base, mostrando que tem um foco bastante voltado para descobrir novos talentos na região do ABCD Paulista.
O Água tem "Santa" no nome e até uma frase religiosa no estádio em que joga: "Deus não alimenta um sonho em sua mente que não possa ser realizado". Mas não há milagre que sustente financeiramente um time com tantos desafios e superações. Por isso Paulo explica que boa parte da renda vem do próprio bolso: "a diretoria tem uma empresa de transportes que banca boa parte dos gastos. Sempre fizemos uma meta orçamentária e sabemos o que vai mudar em cada ano. O patrocínio na camisa ajuda, a renda dos jogos também, mas é pouco na segunda divisão".
Agora o clube terá um aumento de renda em 2016, com mais apoio da Federação Paulista de Futebol e também o pagamento do direito de transmissão dos jogos. O presidente admite que não parou para pensar sobre o que fará com esse dinheiro, mas tem uma certeza: o clube precisa terminar de reformar o Estádio Distrital de Inamar, que atualmente tem apenas uma arquibancada para pouco mais de 6 mil pessoas apenas. Em 2016, para receber jogos da primeira divisão paulista, a capacidade tem que aumentar para 10 mil pelo menos.
Mas alguns detalhes não vão mudar no Água Santa. A comissão técnica, por exemplo, tem sido a mesma desde 2013 e continuará igual, sob comando do técnico Márcio Ribeiro. O que também deve ser mantido e até aumentado é a ligação da cidade com o time. "Como o time saiu da várzea, tem muita identificação com o pessoal daqui, que vai nos jogos mesmo", afirmou Paulo, referindo-se aos "Aquáticos", nome da torcida do Água Santa. O presidente quer que o time mantenha também a humildade: "temos muito a aprender ainda. Primeira divisão é outra realidade, não dá para comparar". A frase é incontestável. Mas aconteça o que for em 2016, o Água Santa já pode respirar tranquilo porque mostrou que nem tudo é várzea em Diadema.
Fonte: Terra