A alma carioca tem tradução musical. E não é o samba. O samba é o seu coração palpitante. A alma musical carioca é o Choro. Gênero musical urbano, popular e erudito, definitivamente incorporado ao “phisique-du-role” da Cidade Maravilhosa.
No ano das comemorações de 450 de seu nascimento, o Rio de Janeiro ganha um presente há muito esperado. Sua Casa do Choro está inaugurada com tudo o que tem direito nesse megaferiado turbinado por aqui com o Dia de São Jorge. 23 de abril também é o Dia Nacional do Choro em homenagem ao nascimento de seu maior representante, o genial Pixinguinha. Desde 2000 o projeto vem sendo desenvolvido pelo Instituto Casa do Choro, com a criação da Escola Portátil de Música, capitaneada por nomes como Luciana Rabello e Maurício Carrilho.
O choro tem linhagem e origem. Luciana, por exemplo, é irmã do violonista Raphael Rabello, bebeu na fonte de César Farias, pai de Paulinho da viola e um dos componentes do conjunto Época de Ouro. Esse é o grupo que abre a principal parte do “tudo que tem direito” citado acima. O VI Festival Nacional do Choro ocupará hoje e domingo a Praça Tiradentes, esquina da Rua da Carioca, onde está localizado o imóvel tombado e restaurado com apoio financeiro do BNDES e patrocínio da Petrobrás.
E vem gente de todo lugar: o estado do Rio puxa a fila com representantes cariocas, de Niterói e Cordeiro; o Distrito Federal, os estados do Rio Grande do Sul, Alagoas, Pernambuco, São Paulo e Goiás, assim como a Holanda, se apresentarão a partir das 11 da manhã.
Pela praça passarão nomes como Hamilton de Holanda, Yamandu Costa, Henrique Cazes, Silvério Pontes, Zé da Velha, Maurício Carrilho, Trio Madeira Brasil, Quarteto Maogani, Zé Paulo Becker e outros. Todos seduzidos pelo estilo que surgiu em meados do século XIX, no Rio de Janeiro, capital do Império, uma forma “chorosa” de interpretar as músicas na moda na Europa como a valsa, o minueto e a polca. Influenciada pela languidez portuguesa e uma pegada africana.
A base inicial era um trio pau-e-corda: a flauta (de ébano, na época) que solava, o violão acompanhando como um contrabaixo e o cavaquinho também no acompanhamento, mais harmônico, com acordes e variações. O gênero que nascia interpretava popularmente o que chegava aos bailes e salões da alta sociedade. Os pequenos grupos ganharam espaço nos subúrbios e na área da Cidade Nova.
A música, com seu toque de improvisação, exige destreza, expertise de seus executores e rapidamente atraiu músicos de excelência. Joaquim Antônio da Silva Callado, autor da polca “Flor Amorosa”, pérola dos chorões, professor de flauta do Conservatório de Musica do Rio de janeiro, tinha entre os membros de seu grupo, a pianista Chiquinha Gonzaga, autora do cateretê “Corta-Jaca”, peça musical de uma de suas operetas.
E ninguém resistiu ao choro. Ernesto Nazareh o elevou e transformou em música erudita. Villa Lobos bebeu da fonte e compôs “Os Choros”, peça importante de seu repertório. De Anacleto de Medeiros fundador, entre outras, das Bandas Musicais do Corpo de Bombeiros e da Fábrica de Tecidos Bangu, que introduziu peças de choros em seus repertórios no início do século XX, aos arranjos orquestrados para big bands, como os da Orquestra de Severino Araújo, maestro pernambucano autor de “Espinha de Bacalhau” e “Um Chorinho em Aldeia”, que bem representam sucessos da união do choro com o jazz, nosso gênero se consolida e evolui.
Com a Casa do Choro o Rio ganha um ponto de referência para consolidar com a preservação de seu acervo e expandir, por meio de educação e divulgação, a mais pura expressão da alma carioca. A musical…
* Uma playlist do que falamos acima e muitos exemplos deliciosos