Após defender a libertação dos policiais acusados de assassinarem o pedreiro Amarildo Dias de Souza e sugerir mudar o texto da Constituição para constar “todo o poder emana de Deus”, o deputado federal Cabo Daciolo (PSOL-RJ) terá de enfrentar o Conselho de Ética do partido. Até a reunião, que será realizada na próxima terça-feira (21), Daciolo tem se empenhado em mostrar que suas ações estão de acordo com o que prega o estatuto do PSOL. Em sua defesa, ele diz que ao se filiar “todos sabiam que eu era militar e era um cristão” e afirma que se considera “algo novo no partido”.
O parlamentar diz que muitos partidos o convidaram, após a Executiva Nacional do PSOL ter decidido suspender suas atividades como deputado, no dia 26 de março. Daciolo nega, entretanto, ter interesse em deixar a sigla. “Quero permanecer no PSOL. Quero crescer, ser presidente do PSOL no Rio de Janeiro, ser governador do estado pelo PSOL, ser presidente da República pelo PSOL. Não me vejo fora”, afirma o bombeiro, que atribui sua eleição como deputado federal a um “milagre de Deus” – a quem, ao lado de Jesus Cristo, dedica “toda a honra e toda a glória”.
Daciolo cobra do partido “respeito” a suas opiniões e compara o tratamento dado a suas divergências com a postura adotada diante da atitude de outros correligionários do Rio de Janeiro. “O Jean Wyllys defendeu o ensino da religião islâmica nas escolas, o Marcelo Freixo declarou apoio à Dilma no segundo turno antes de consultar o partido. Eles não foram suspensos. Por que eu fui suspenso e estou sendo ameaçado de expulsão, se tudo que eu fiz está no estatuto?”, questiona. Leia abaixo a entrevista completa.
iG – Como o senhor enxergou a reação do PSOL diante da sua defesa dos policiais acusados de assassinarem o pedreiro Amarildo?
Cabo Daciolo – A primeira coisa a dizer é que eu não fui procurar esse caso, ele chegou a mim. Como que isso aconteceu? 80% dos meus votos vieram dos militares. Um dia, eu tive a informação de que um militar veio a falecer e a família não tinha recursos para enterrá-lo. Daí, eu fui tomar conhecimento de que o militar era o Victor Vinícius Pereira da Silva, que fazia parte dos militares que estavam na prisão preventiva há um ano e seis meses. Comecei a averiguar o caso e soube que a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que é presidida pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), até o momento nunca ouviu os militares nem seus familiares. Tá certo ouvir a família do pedreiro? Lógico que sim, tá certíssimo, mas tem que ser imparcial. Tem que olhar o Artigo 6 do estatuto do PSOL que fala na luta por uma sociedade igualitária. Militar também é cidadão e direitos humanos também é para o militar.
Na época, o senhor conversou com o deputado Freixo sobre isso?
Não com o próprio Freixo, mas conversei com o PSOL. Trouxe os familiares aqui, no dia 5 de março. Coloquei num ônibus, eles vieram até a liderança do partido e foram ouvidos pelo (deputado) Chico Alencar. Eu fiz questão de trazê-los para que o partido ouvisse. Disse ‘ouçam, antes de fazer um julgamento, vamos ouvir os dois lados’. Eu volto pra tese de que tem 50% de chances de eles serem culpados e 50% de serem inocentes. E, pela Constituição, ninguém pode ser considerado culpado enquanto não tramitar em julgado a sentença condenatória.
Qual foi a reação do deputado Chico Alencar após essas conversas?
Eu não sei, a gente não conversou sobre isso porque foi logo no meio dessa história toda.
Uma das críticas feitas por seus colegas do PSOL é de que a maioria das denúncias contra policiais acabam não sendo apuradas porque a própria estrutura interna da Polícia Militar os protege e de que, neste caso, há evidências suficientes do envolvimento dos PMs na morte do pedreiro. O senhor, que faz parte das Forças Armadas, concorda com a tese de que há uma impunidade maior entre os policiais?
Olha, no Rio de Janeiro nós estamos vivendo uma verdadeira guerra civil. Há uma guerrilha no estado. Se você parar para analisar, eu tenho militares envolvidos em corrupção, assim como eu tenho políticos e qualquer outra profissão envolvida. Se a lei visualizar que esses militares são culpados, então eles vão pagar pela pena de ter cometido um crime. Amém. Mas eu não posso permitir que haja militares presos sem ter sido ouvidos. Eles não tiveram o direito de contar sua versão.
O senhor apresentou um habeas corpus para que esses militares sejam soltos. Isso não poderia prejudicar as investigações e até mesmo ser um perigo para a família que já disse ter medo de represálias?
A grande verdade é que as investigações já aconteceram. Os militares estão na prisão preventiva há um ano e seis meses. Qual investigação que esses militares estão atrapalhando? Eles estão presos mesmo com essas evidências todas que apontam para a inocência deles, como eu mostrei.
O que falta para essas investigações serem concluídas? É falta de vontade política?
Isso você vai ter que perguntar para essas autoridades que estão responsáveis pelo processo. Tem que perguntar se eles têm conhecimento desse material todo e por quê que não consta no processo o relatório da 15ª DP, em que dois traficantes – um da rocinha e um preso em Bangu – trocam mensagens e dizem que o Amarildo foi morto por um traficante. Se é coincidência o relatório da Inteligência da Polícia Militar de um ano antes, que diz que estavam tentando armar alguma coisa contra o Major Edson (comandante da UPP da Rocinha, preso no Caso Amarildo). E essas fotos, que mostram que no horário da tortura os policiais acusados estavam em outro lugar? Eu quero acreditar que eles não têm esses documentos.
O senhor nega ter diferenças ideológicas com o PSOL, então?
Muito pelo contrário. É uma questão de justiça. Eu estou andando na linha do meu partido.
E a sua Proposta de Emenda à Constituição que substitui o trecho “todo poder emana do povo” por “todo poder emana de Deus”, ela não vai contra a defesa do Estado laico feito por seu partido?
Discordo. O estatuto do meu partido fala com clareza que é livre a expressão religiosa. O Estado é laico e um dos pressupostos disso é a liberdade religiosa. Eu não estou, em momento algum, pregando religião. O próprio preâmbulo da Constituição fala “promulgamos sob a proteção de Deus”. O regimento interno da Câmara fala, no Artigo 79, sobre Bíblia em cima da mesa diretora. Quando entrei no PSOL, todos sabiam que eu era militar e era um cristão, que falava de Deus. Nosso movimento SOS Bombeiros nasceu em 2011 e, hoje eu estou aqui, eu coloco toda a honra e toda a glória para Jesus Cristo e pra Deus. Sou fruto de um milagre. Não tive tempo de televisão em momento algum da minha campanha, não recebi material nenhum do PSOL na minha campanha, e nós tivemos 49.831 votos. Acredito em Deus, respeito a religião de todos, não prego nenhuma religião. Eu quero ser tratado com igualdade. Quero que prevaleça a letra L do PSOL, de liberdade. Exijo que minha liberdade religiosa seja respeitada.
Deus de fato é algo mais amplo do que a religião cristã, mas existem religiões e pessoas que não acreditam na figura de um Deus. Essa PEC não é uma afronta à liberdade religiosa delas?
Por que a gente não suspende o Jean (Wyllys) então? Ele apresentou o PL 1780/2011, que obriga o ensino da religiosidade islâmica nas escolas (o projeto é assinado pelo deputado Miguel Côrrea (PT-MG), subscrito por outros cinco deputados, entre eles Jean Wyllys). Eu respeito a posição dele, só quero que respeitem a minha. E tem outra coisa, isso é só uma proposição. Uma PEC que vai entrar em pauta e ser votada. Todos têm o direito de analisarem e eu tenho o direito à expressão religiosa de colocá-la. O partido me permite isso. O Estado não é ateu, é laico. Eu respeito todas as religiões. Costumo dizer que acredito que Deus é o criado do céu, da terra e tudo que há. E que ele não habita em templos feitos por mãos de homens. O nosso corpo é templo do Espírito Santo e de Deus. Nós somos uma igreja. Se você abrir seu coração, Ele vai entrar e fazer morada. Acredito na palavra do amor e na reciprocidade, em tratar as pessoas da maneira que eu gostaria de ser tratado.
De toda forma, o senhor desrespeitou uma decisão da bancada do PSOL contra a apresentação da “PEC de Deus”. Por quê?
Na verdade, eu pedi para nós que debatêssemos isso internamente, no partido. Eu quero esse debate, quero sentar com a militância do PSOL toda para discutir isso. Aguardo a convocação pra isso, assim como estou pronto para debater qualquer outro assunto com eles. Então, eu aguardei o momento de discutirmos isso, mas esse momento não veio. Aí, eu recebi a informação de que eu teria uma conversa com a Executiva Nacional para tratar da minha expulsão, exatamente por causa de dois assuntos: o caso Amarildo e a PEC de Deus. E eu disse, ‘bom, se o assunto vai ser esse, deixa eu concluir o que eu comecei’.
O senhor dialoga com segmentos pra além de uma esquerda mais intelectual e de certa forma até elitizada, com a qual o PSOL tem mais proximidade. Há uma dificuldade no partido em ampliar esse diálogo?
Eu me considero algo novo no partido. Não só pelo fato de ser militar e cristão. Tenho vários trabalhos sociais feitos nas comunidades, onde mora a maioria dos militares. Meu dia a dia com a população mais carente é verdadeiro. Acho que podemos somar muito com o PSOL, podemos crescer com o PSOL.
O Conselho de Ética do PSOL se reunirá na próxima terça-feira, para decidir sobre a sua permanência no partido. Qual a sua perspectiva?
No dia 6 de abril, eu entrei com um requerimento pedindo a reconsideração da minha suspensão, mas não tive resposta ainda. Ninguém falou comigo, mais. Eu fico até preocupado, eu quero saber que suspensão é essa e porquê eu estou sendo suspenso. Eu acredito que ela vai parar. Não tem justificativa, não cometi nenhuma infração no meu partido. Mas que suspensão é essa, se eu ainda estou em todas as comissões que estava aqui na Câmara? O Jean Wyllys defendeu o ensino da religião islâmica nas escolas, o Marcelo Freixo declarou apoio à Dilma no segundo turno antes de consultar o partido. Eles não foram suspensos. Por que eu fui suspenso e estou sendo ameaçado de expulsão, se tudo que eu fiz está no estatuto? Sendo que todos sabiam que eu era militar e era cristão? Abriram as portas do PSOL para eu entrar da forma que eu sou, eu não vou agora mudar porque estou dentro do PSOL. Fui aceito dessa forma.
Qual é a sua opinião sobre pautas historicamente defendidas pelo PSOL, como a desmilitarização da polícia e o fim do auto de resistência?
Isso tem que ser discutido. Eu não fui ouvido ainda. O militar que está dentro do partido não foi ouvido ainda. É a primeira vez que eles têm um militar dentro do partido, vamos conversar a respeito disso. Prefiro debater primeiro com eles.
Com esse afastamento, o senhor chegou a ser convidado para se filiar a outro partido?
Muitos partido me convidam, mas particularmente eu quero permanecer no PSOL. Quero crescer, ser presidente do PSOL no Rio de Janeiro, ser governador do estado pelo PSOL, ser presidente da República pelo PSOL. Não me vejo fora. O que estou fazendo de errado ao pedir para ouvirem o outro lado?
Fonte: iG