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Aldeia Maracanã à tribo de um índio só

No meio da Floresta tinha um índio. Um só. Mas eles já foram muitos. Foram até donos desta terra. Até que chegou o homem branco e os expulsou. Primeiro, do litoral. Por último, da Aldeia Maracanã, onde eram um grande estorvo para o projeto da Copa do Mundo. Não era bem verdade. Ontem foi dia deles e o Terra foi atrás para saber onde andam, como vivem, como sobrevivem os índios da ocupação tratada como praça de guerra pelo governo do Estado.

Nos fundos de uma igreja católica dentro de um antigo hospital para leprosos, o Hospital Curupaiti, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, encontramos o que sobrou de vestígios da antiga aldeia Maracanã. Um campo de futebol vazio. Os índios já tinham ido embora. Desta vez para aldeia de branco, também conhecida como Minha Casa, Minha Vida.

O último indígena que ainda vive em contato com a natureza na capital fluminense é Afonso Apurinã. Ele tem 49 anos e lutou junto aos outros índios (e também não-índios) nas batalhas promovidas pelo governo Sérgio Cabral contra os índios da Aldeia Maracanã. Perdeu a batalha, mas não a guerra .

“Aquele movimento da aldeia Maracanã mexeu com o mundo todo. Vieram TVs do mundo todo entrevistando a gente. Tinha americano, japonês, chinês. Todo mundo passava o dia por lá. Pessoas dos movimentos sociais. Aquilo foi importante. Teve muita coisa errada, mas fez parte. Ajudou de alguma forma. A intenção de estar ali assegurando espaço foi válido, tanto que recuperamos o espaço”, lembra, enquanto termina seu último filtro de sonho.

"Esse é um país que tem vergonha de mostrar sua verdadeira cultura" 
O espaço da chamada Aldeia Maracanã foi devolvido aos índios ainda no ano passado, depois de um acordo com a Secretaria de Cultura do Estado. Mas não totalmente. Apurinã explica. “O acordo inicial era podermos entrar, fazer eventos lá e sair enquanto a reforma não ficasse pronta. Queríamos estar trabalhando já na Copa do Mundo, mas houve um grupo que tentou invadir e dificultou ainda mais. Vem aí os Jogos Olímpicos e não vamos conseguir nada. O que vejo é que o governo quer esconder o povo legítimo do Brasil. Seria importante se eles reformassem o prédio e que tivéssemos o espaço para mostrar nossa cultura, que faz parte da história do país. Mas esse é um país que tem vergonha de mostrar sua verdadeira cultura”, acusa o indígena.

Por meio de uma nota, a Secretaria de Cultura do Rio informa que “está sendo realizado estudo orçamentário para a contratação do projeto de arquitetura e restauro do imóvel no Maracanã. O Inepac, que tombou o prédio, orientará e acompanhará o desenvolvimento do projeto arquitetônico e a execução das obras de restauração e adaptação do imóvel. Só depois de concluído esse estudo é que se poderá avaliar prazos de licitação e contratação da obra”.

"Os macacos vêm aqui comer, gosto de plantar, lá não tem nada disso" 
Afonso e os outros índios foram parar no Curupaiti pouco antes da Copa do Mundo, depois de um acordo entre os indígenas, o governo do Estado e o Ministério Público. Mas acabou sozinho. “Infelizmente não estávamos bem instalados. Aqui estamos perto da natureza, mas os contêineres que nos deram eram muito apertados, fazia muito calor. Eles ofereceram para nós irmos para o Minha Casa Minha Vida, da Frei Caneca. Eu não podia ir porque já ganhei um apartamento da Caixa em outra ocasião. E aqui estou perto da natureza. Os macacos vêm aqui comer, gosto de plantar, lá não tem nada disso. Preferi ficar”, afirma.

Há três meses cerca de 50 índios aceitaram a proposta do governo e foram viver como brancos: pagando condomínio, água, luz e taxa num projeto do governo Federal, que pouco tem a ver com a cultura indígena. “Queremos um lugar para desenvolver nossa cultura, receber nossos parentes. E um apartamento não é o lugar mais indicado”, reclama Afonso Apurinã. Um dos que está nos apartamentos é Carlos Tukano, oficializado como Cacique da Aldeia Maracanã desde janeiro. “Estamos instalados. Diante de tanta burocracia do homem da cidade, pelo menos encontraram a solução para alguma coisa”, disse sobre o fato de estar morando em “aldeia de branco”.

O projeto para Curupaiti era de se montar um centro de referência da cultura indígena. Mas o local, que ainda abriga doentes, não tem a menor condição de receber uma comunidade indígena, muito menos de ter ali um centro cultural. Enquanto a reforma da Aldeia Maracanã não sai, os índios tentam sobreviver da venda de artesanato em feiras populares e nas praias. Mas o que sobrou, um índio, vive nos fundos de uma igreja, de favor, e vive de fazer massagens em doentes e trabalhos espirituais. “Vivo aqui fazendo artesanato. Filtro de sonho, pulseiras, flautas. E quando faço algum atendimento espiritual aqui atrás da igreja me trazem alguma coisa. A igreja está, de certa forma, reparando o que fizeram com os índios. A igreja foi quem mais massacrou o povo indígena, construíram igrejas em cima dos nossos cemitérios. Talvez seja por isso que esteja aqui.”, afirma. Apurinã só se junta aos outros índios quando tem evento. No domingo eles participaram de um evento no Parque Lage, Zona Sul do Rio.

"Já lutamos muito. Quero voltar para minha terra” 
Sem natureza, os índios querem ao menos a Aldeia Maracanã reformada . Mas, por enquanto, não há previsão de que o projeto saia do papel. “Já tivemos uma reunião com a nova secretária de cultura, mas ainda não há um calendário para começar as reformas”, reclama Tukano. Nem entrar no prédio eles podem. Há um carro de polícia permanentemente na porta. “Por conta de dissidentes que tentaram invadir o lugar”, lamenta o cacique. Tukano acredita em uma resolução rápida para o tema e praticamente só concorda com Apurinã no que diz respeito ao apoio da Funai aos índios: “Não temos apoio nenhum deles.” Pelo menos nesse ponto ele e Tukano concordam.

Apurinã diz que no Rio são várias etnias. Goitacás, tupinambás, tapuias, tupiniquins, maracanãs, jacutinga. Alguns tupinambás estão voltando, depois de se esconderem pelo Brasil. Os puris estão reaparecendo também. Pelo censo do ano retrasado diziam 18 mil indígenas no Rio e outro dizia que eram 30 mil. Na época da ocupação Apurinã teve um filho com outra índia. Alexsander tem dois anos e vê o pai uma vez por semana. “Mas em breve vou voltar para casa. Já lutamos muito. Quero voltar para minha terra”, disse, desanimado Apurinã, que é de Boca do Acre, no Amazonas. Parece que agora eles só têm mesmo o dia 19 de abril. Ou quase nem isso.

Fonte: Terra

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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