Na cidade que não para nunca, o Globo Repórter usou um questionário científico para avaliar o nível de cansaço dos paulistanos. Juliana tem apenas 20 anos de idade, mas anda em descompasso com relógio biológico.
A pesquisa feita pelo Ibope mostra que elas estão mais esgotadas: duas em cada três mulheres se queixam de cansaço. E a faixa etária com o maior número de reclamações é entre 20 e 29 anos, onde a Juliana se encaixa logo no início.
Globo Repórter: Você acha que o cansaço prejudica no trabalho?
Juliana Carnaça da Silva, auxiliar administrativo: Sim, bastante. Porque você não consegue se concentrar, não consegue fazer nada. Fica só pensando em ir pra casa. Você mal chega e já quer ir embora.
Juliana trabalha em um escritório de advocacia na capital, mas mora em Carapicuíba, na Grande São Paulo. Passa quatro horas por dia dentro de trens e ônibus. À noite vai a pé para a faculdade.
Juliana: É difícil, por mais que eu tente estudar, não entra mais nada nesse horário. Já é bem difícil.
Globo Repórter: Está cansada?
Juliana: Estou.
Em uma clínica particular Juliana fez o teste ergoespirométrico, exame que avalia a capacidade cardíaca e respiratória.
“A avaliação que nós fizemos do ponto de vista metabólico aponta para um desequilíbrio. Um programa de exercícios físicos, caminhadas, é fundamental para você ter um melhor condicionamento físico e certamente também cuidar um pouco da parte nutricional para você ter também uma redução do seu peso corpora, que vai representar uma carga menor para você ter que carregar no dia a dia”, informa o doutor em fisiologia Turibio Leite de Barros.
O cansaço é a resposta de um organismo muito exigido. Se for excessivo deixa o sistema imunológico vulnerável. Causa um desequilíbrio energético nas células do corpo e permite a invasão de toxinas como a amônia.
“Ela vai desorganizar sua resposta metabólica, você não vai conseguir atender a demanda energética que o seu corpo precisa. A toxicidade dela é relacionada a isso, ela impede o funcionamento energético ideal do organismo”, diz o professor da USP Antônio Herbert Lancha Júnior.
A fadiga atinge a região do hipotálamo e a hipófise no cérebro. Desregula a liberação dos hormônios da fome, do sono e do stress como o cortisol. Quando estamos em desequilíbrio a sobrecarga de hormônios resulta em fadiga.
Fadiga persistente e com duração de pelo menos seis meses preocupa a ciência
Na década de 50, as previsões eram de que o homem trabalharia no máximo seis horas por dia no ano 2000. Os robôs e a tecnologia economizariam nosso tempo fazendo quase todo nosso trabalho. Doce ilusão. A cada dia surgem múltiplas tarefas, novos projetos em construção. Nessa maratona diária o cansaço é natural, desde que você recupere as energias após o descanso.
O que preocupa a ciência é a fadiga persistente, com duração de pelo menos seis meses e que afeta a qualidade de vida. Por trás desse mal podem estar sono ruim, má alimentação, falta de exercícios ou até uma doença. O cansaço excessivo é entendido pelos médicos como pedido de socorro do organismo. E no dia-a-dia corrido de todos nós, vencer a fadiga é fundamental para superar os desafios. Centenas de doenças provocam processos inflamatórios pelo corpo e podem estar mascaradas pela fadiga.
“Não adianta ficar tomando vitamina ou ficar tomando suplemento alimentar, ficar tomando energético. Por exemplo, se eu tenho uma anemia por trás, se eu tenho uma doença do coração, se eu tenho uma doença de glândulas, isso tem que ser avaliado por um médico clínico”, afirma o médico Cyro Masci, psiquiatra.
Brasileira com fadiga crônica conta como descobriu síndrome
O primeiro passo para desvendar o mistério é o exame de sangue. Foi assim que a Lourdes iniciou a investigação da fadiga.
“Eu sempre fui uma pessoa extremamente ativa, dinâmica e de uns tempos pra cá, de um ano e meio para cá eu comecei a sentir cansaço. Eu não consigo dormir a noite toda, eu não consigo acordar na hora, não consigo fazer as coisas que eu fazia com eficiência, com a mesma alegria, com o mesmo jeito. Meu corpo às vezes dói, dores às vezes musculares”, conta a gerente de contas Lourdes Helena Squeff.
Na peregrinação em busca do diagnóstico ela fez outros tipos de exame. Na falta de respostas achou que estivesse com depressão.
“A depressão além do cansaço tem outros sintomas, ela tem o humor deprimido. Tudo é visto de uma forma difícil. A pessoa perde a vontade das coisas, ela fica inibida com tudo, ela fica mais isolada, então depressão é um leque muito maior do que só o cansaço. Cansaço é um pedaço disto”, explica o doutor em psiquiatria Kalil Duailibi.
Um psiquiatra especialista em fadiga descobriu alterações hormonais.
“Nós tivemos aí uma queda, provavelmente uma estimulação excessiva da glândula supra renal, que produz aquele hormônio do stress chamado cortisol. Abaixou sua resistência e acabou gerando aí um quadro de fadiga crônica”, diz Cyro Masci.
A fadiga crônica é uma síndrome provocada pelo cansaço persistente. Atinge duas vezes mais as mulheres. Pode ser desencadeada por uma rotina estressante associada a má qualidade de vida.
“Essa fadiga em geral ela não melhora com o descanso. O indivíduo descansa um pouco, ele acorda e continua fadigado, cansado, e muitas vezes vem associado a outros sintomas como dor de garganta, uma febrícula, distúrbios de memória, raciocínio, dores musculares”, afirma o doutor em reumatologia da Unifesp, Roberto Heyman.
Lourdes sempre foi uma workaholic convicta. Atuava na da área de cosméticos visitando clientes, mas no período de produção desta reportagem, pediu demissão. Além de fadiga crônica ela também foi diagnosticada com síndrome de Burnout, 'queimado' em inglês, um esgotamento causado pelo excesso de trabalho.
“As pessoas que sofrem de Burnout de um modo muito característico. Colocam todos os ovos numa cesta só, todas as suas fontes de gratificação, toda a sua alegria de viver está no seu trabalho”, explica o psiquiatra Cyro Masci.
O tratamento teve remédios fitoterápicos para melhorar o funcionamento do intestino e do sono. Mas o fundamental foi dedicar algumas horas do dia a ela mesma, com mais lazer e exercícios físicos.
“Eu estou me sentindo bem melhor depois desses dois meses de tratamento. Não tenho mais o sono picado, não fico mais agitada durante a noite, eu estou me sentindo bem melhor mais tranquila”, diz Lourdes.
Disposição renovada para novos desafios
“Vou começar a estudar, me atualizar, fazer marketing digital, voltei a fazer línguas. E eu tenho muitos planos pela frente sim”, conta Lourdes.
Fonte: G1