As raízes dos Tribunais de Contas remontam à Antiguidade Clássica. Uma das representações de Athena na sociedade grega, considerada Deusa da Guerra e da Sabedoria, deu-se por meio de seus Dez Tesoureiros – homens a quem todo aquele que fazia parte da administração deveria não só justificar seus atos como também prestar contas dos valores, em dinheiro, recebidos. A tradição milenar do mito grego parece ter sido “esquecida” pelo Pleno do Tribunal de Contas de Mato Grosso, que virou uma oficina de blindagens políticas.
Composta por uma estrutura de 644 servidores e com orçamento superior a R$ 167 milhões para 2015, o TCE-MT deveria dar mais ouvidos a seu corpo técnico, que reiteradamente vem apontando indícios de corrupção, mau uso do dinheiro público e licitações fraudulentas em seus relatórios de estudo das contas dos órgãos e secretarias estaduais.
Ocorre que esses servidores não têm poder de rejeitar as contas ou pleitear decisões cautelares, como o afastamento do agente público de seu cargo, por exemplo. Essa decisão cabe ao Pleno, isto é, um grupo deliberativo formado por sete pessoas denominadas “conselheiros(as)” – cargos vitalícios, cujo salário registrado em fevereiro deste ano, de acordo com o portal de transparência do órgão, atingiu R$ 30.471,11.
Uma ocupação, portanto, estratégica e de muito prestígio, desejada por um sem-número de políticos ou “apadrinhados”, que podem utilizar-se de sua influência perante a administração para obter favores recíprocos.
Irregularidades na Secopa
Um dos casos mais emblemáticos, e que abre brechas acerca da idoneidade do Pleno do TCE-MT, é o julgamento, realizado em dezembro, das contas de 2013 da antiga Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo (Secopa-MT), órgão criado pelo ex-governador Silval Barbosa (PMDB) para gerir as políticas públicas voltadas à preparação dos jogos, que teve Cuiabá como uma das cidades-sede em junho de 2014.
No relatório feito pela equipe técnica (Protocolo 71447/2013), encontramos situações consideradas “graves” pelos servidores. Um deles aponta um serviço de R$ 7,9 milhões sem a regular comprovação de sua prestação. Outro trecho do documento versa sobre a Adesão 007/2013, que pretendia realizar a “digitalização do acervo documental da Secopa”, um negócio de R$ 27 milhões que foi precificado sem estudo preliminar.
E o oba-oba na Secopa não parou por aí. Segundo o relatório do conselheiro substituto João Batista de Camargo Júnior, a antiga secretaria adquiriu um software de “gestão lógica” por R$ 3,6 milhões. Com o dólar a R$ 3,19 (cotação de 31/03) seu valor é comparável ao CryEngine, considerado o programa mais caro do mundo, utilizado para desenvolver jogos, que custa US$ 1,2 milhão.
Outras partes do estudo dão pistas da situação em que as obras de mobilidade urbana se encontram em Cuiabá. Entre elas está a inobservância do anteprojeto do Viaduto da UFMT, que previa uma pista a mais nas vias marginais – que não foi construída, provocando “estrangulamento” do trânsito, segundo o documento. Claro que não poderíamos deixar de fora o VLT, que deveria ter 90% do serviço realizado em 31/12/2013, mas apresentou apenas 48% de conclusão segundo o último relatório técnico preliminar.
Adicionando esses fatores às várias denúncias presentes no relatório, que apontam generalizada falta de fiscalização e de documentos que comprovem a “boa e regular execução do objeto pactuado”, como o Centro Oficial de Treinamento da Barra do Pari e a Estrada da Guarita, por exemplo, concluímos pela falta de “sensibilidade” do Pleno, que aprovou as contas da secretaria. Ao que parece, a farra da Secopa não seria completa sem a ajuda do TCE.