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Mobilização da classe média surpreende

Os protestos, no entanto, tiveram conotações diferentes nas cinco regiões brasileiras. A BBC Brasil entrevistou cientistas políticos de algumas das principais capitais do país – Belém (PA), Recife (PE), Salvador (BA), Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS) -, para descobrir o que as manifestações significaram no contexto político de cada região do Brasil.

O número surpreendente de pessoas nas ruas foi um ponto de convergência de todos eles. Mesmo no Norte e no Nordeste, onde as manifestações reuniram menos gente – de 1,5 mil a 30 mil pessoas -, o tamanho delas impressionou os analistas, especialmente por terem acontecido em locais considerados "redutos do PT". "Dilma está sendo reprovada até em regiões tradicionalmente lulistas", analisa o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Adriano Oliveira.

Já no Sul e no Sudeste, onde já era esperado um número maior de participantes, o que impressionou foi a mobilização deles. "A direita não conseguia puxar um movimento aqui desde 1964", disse à BBC Brasil Cláudio Couto, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da FGV-SP.

Os analistas também concordam que o movimento que se viu nas ruas no domingo foi majoritariamente da "classe média" brasileira. No entanto, Wilson Gomes, professor de Comunicação e Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA) ressalta: "A insatisfação é maior do que a manifestação. Se não tivessem pautas tão extremistas, como impeachment e intervenção militar, com certeza teriam mais pessoas na rua."

De acordo com os especialistas de Salvador e Recife ouvidos pela BBC Brasil, a insatisfação das pessoas com o governo de Dilma tem aumentado no Nordeste, mesmo entre os eleitores dela, principalmente por causa da "decepção" com as medidas de ajuste fiscal. "O povo classe C, D e E não foi para as manifestações", diz Oliveira, que no entanto ressalta que há um descontentamento com o governo mesmo entre as classes mais baixas.
No Sul, Sudeste e Centro-Oeste, segundo os analistas, os manifestantes usaram a corrupção como pano de fundo para fazer um protesto anti-PT. "Acho que o eleitor brasileiro em geral se preocupa muito pouco com a corrupção, porque a corrupção é um modo de vida do brasileiro", disse a cientista política e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Céli Pinto.

"Ninguém pode ser contra a ética. Ninguém pode ser a favor da corrupção. As pessoas diziam que estavam indo contra a corrupção, mas isso foi o pano de fundo. A manifestação aqui era contra a Dilma e contra o PT", observou o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Leonardo Barreto.

Não há consenso sobre a definição ideal de classe média. Para a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, pertencem à classe C aqueles com renda domiciliar mensal de entre R$ 2.005 e R$ 8.640, em valores de janeiro de 2014. Já para a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, membros da classe C2 têm renda média domiciliar de R$ 1.446,24; da classe B1 de R$ 8.695,88 e da classe A de R$ 20.272,56.

Segundo o instituto Datafolha, 27% daqueles que compareceram aos protestos em São Paulo recebem entre cinco e 10 salários mínimos (entre R$ 3.940 e R$ 7.880); 22% recebem entre 10 e 20 salários mínimos e 19% mais de 20 salários mínimos. Em Porto Alegre, segundo o instituto Índex, 31,9% dos manifestantes que foram no domingo recebem entre seis e 10 salários mínimos.

Norte e Nordeste
Vitoriosa no segundo turno em 13 dos 16 Estados do Norte e do Nordeste, Dilma Rousseff conseguiu o segundo mandato graças principalmente a essas regiões – redutos do PT desde a última década.

Lá, as manifestações de domingo aconteceram, mas não registraram tantos participantes como outras realizadas em capitais do Sul e do Sudeste. A análise dos especialistas ouvidos pela BBC Brasil, no entanto, é que esse número é significativo e reflete uma classe média que está "enfurecida" com o governo atual.

"A classe média abandonou o PT e a Dilma há alguns anos aqui no Pará. Ela está enfurecida com o arrocho e essa manifestação foi um reflexo disso. A insatisfação com a Dilma tem crescido, principalmente nos centros urbanos", pontuou o doutor em Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA), Edir Veiga, sobre o protesto que reuniu 30 mil pessoas em Belém, segundo a polícia local.

Em Salvador, cidade que deu 67,2% dos votos para a petista no segundo turno, a manifestação reuniu 11 mil pessoas, segundo a PM. "Esse volume não é pra ser ignorado. Não dá pra dizer que houve uma alteração de posicionamento das pessoas, mas esse número significa alguma coisa numa cidade que não é antipetista", explica Wilson Gomes, da UFBA.

"Em Pernambuco, eu lhe afirmo que a presidente está desgastada. Do agreste para o sertão, ela tinha opiniões favoráveis. Hoje, não sei", disse Adriano Oliveira, da UFPE, que afirma que o PT vem gradativamente perdendo apoio na capital Recife desde 2010.

Centro-Oeste
As manifestações no Centro-Oeste do país tiveram números ainda mais expressivos, com destaques para Goiânia e Brasília, que reuniram 60 mil e 45 mil, respectivamente, segundo as Polícias Militares locais.

No caso de Brasília, de acordo com Leonardo Barreto (da UnB), os números da manifestação foram inflados pela insatisfação com o último governo do DF, de Agnelo Queiroz (PT), que deixou dívidas de R$ 4 bilhões para a nova gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB)."A experiência do governo estadual ajudou aumentar essa crise. Não que o sentimento anti-PT não existisse, mas foi potencializado", explicou Barreto.

Para ele, foi justamente o antipetismo que mais motivou as pessoas a irem para a rua. "A corrupção é interessante, porque pessoas que possuem postura ideológica contra o governo usam a corrupção para ocultar essa ideologia. A bandeira da ética ajuda muito a camuflar essa ideologia."
Barreto ressalta que a manifestação em Brasília foi ainda mais significativa por reunir um grande número de pessoas contra o governo em sua própria "casa". Mas, segundo ele, a pressão seria bem maior se tivesse acontecido em um dia de semana.

"Está acontecendo no quintal da sua casa, então você se sente mais pressionado. Mas acredito que, se tivesse acontecido em dia de sessão (no Congresso), seria uma repercussão maior. Eles (parlamentares) estariam aqui", destaca.

"Lembro que, nas manifestações de 2013, conversei com alguns deputados e eles disseram que se sentiram acuados mesmo, que ficaram com medo da pressão popular."

Sul e Sudeste
Dos sete Estados do Sul e Sudeste, Aécio Neves teve mais votos em cinco. Por isso, era de se esperar uma manifestação expressiva contra o governo de Dilma no domingo. Os números, no entanto, surpreenderam mesmo os manifestantes mais otimistas.

"Uma manifestação tão grande como essa significa uma derrocada importante do PT, mesmo sendo em São Paulo. A novidade agora é que esses eleitores anti-PT conseguiram angariar novos segmentos emergentes", analisa Claudio Couto, da FGV, sobre o protesto. De acordo com o instituto Datafolha, cerca de 210 mil pessoas se reuniram na Avenida Paulista para protestar; de acordo com a PM, os manifestantes chegaram a 1 milhão.
Para ele, a grande novidade em São Paulo é que a classe média e a direita, que não têm uma tradição de mobilização social, saíram às ruas e conseguiram uma manifestação de grandes proporções. "Você não via a direita conseguindo mobilizar pessoas desde a Marcha da Família com Deus para a Liberdade em 1964". Segundo o Datafolha, 74% das pessoas que foram às ruas em São Paulo no domingo nunca tinham ido em uma manifestação e 27% recebem entre cinco e 10 salários mínimos.

No Rio Grande do Sul, a cientista política Céli Pinto destaca o crescimento do antipetismo nos últimos anos, que motivou as pessoas a irem às ruas 'inconformadas' com mais uma derrota nas urnas. Ela afirma que a corrupção foi só o pano de fundo do protesto.

"Quando as pessoas vão votar, a ideia, se é corrupto ou não, não pesa muito. Nesta lista do (procurador-geral da República) Rodrigo Janot, havia cinco deputados federais do Rio Grande do Sul, todos do PP. Nenhum deles foi citado na manifestação e eles estão diretamente relacionados com o caso de corrupção da Petrobras", disse. Em Porto Alegre, segundo o Índex, 31,9% dos manifestantes que foram no domingo recebem entre seis e 10 salários mínimos.

Renato Perissinoto, cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR), também destaca o antipetismo como grande motivo para o protesto de 80 mil pessoas em Curitiba, segundo a PM. "A manifestação teve orientação clara contra o governo federal e o PT, tanto que o governador Beto Richa passou praticamente incólume."

Richa (PSDB) tem sido alvo de grandes protestos na capital paranaense pelo pacote de ajustes anunciado no início de seu segundo mandato, incluindo aumento de impostos e do desconto na previdência de funcionários públicos e professores. Mas poucos cartazes do protesto de domingo faziam menção ao governador.

"Aqui, segundo pesquisa feita na manifestação (pelo Instituto Paraná Pesquisas), 85% das pessoas queriam o impeachment de Dilma, mas só 10% dizem acreditar que a presidente praticou corrupção. Essa discrepância indica que o impeachment está sendo bradado como sinônimo de descontentamento", disse. Ainda segundo essa pesquisa, 63% dos manifestantes disseram ter Ensino Superior completo.

No Rio de Janeiro, Ricardo Ismael, da PUC-Rio, ressalta que, apesar de Dilma ter ganho o segundo turno no Estado, "a adesão ao PT tem diminuído". Para ele, o impacto da crise da Petrobras é ainda maior para os fluminenses, e isso faz com que a insatisfação com o governo tenha aumentado.
"A sede da Petrobras é aqui, então essa crise tem uma grande repercussão, porque as consequências econômicas atingem diretamente o Estado do Rio. Com a crise, a Petrobras demitiu, reduziu obras, o dinheiro dos royalties diminuiu, e isso gera insatisfação."

Fonte: BBC BRASIL

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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