Um dos ingredientes estrela da invenção é o kimchi, preparo apimentado e amargo geralmente feito com acelga em conserva e que é a base da culinária sul-coreana. Na versão de Choi, o kimchi é refogado com manteiga e chili e acrescentado a costeletas de porco ou de vaca grelhadas. Um mix de molho de soja, alho e limão dá o arremate e tudo é colocado dentro de uma tortilha de milho.
Esta não era a primeira vez que eu percorro Los Angeles atrás de um trailer Kogi BBQ. Desde seu lançamento, em 2008, a rede usa o Twitter para informar a seus devotos a localização de seus revendedores.
Mas agora estou em busca do truck Kogi BBQ dentro do Aeroporto Internacional de Los Angeles. Sim, a marca aterrissou no mainstream.
Desde que o Kogi BBQ começou a conquistar o público e a crítica gastronômica com sua invenção coreana-mexicana, muitos concorrentes tentaram imitar o prato. Até o Baja Fresh, uma rede com 256 restaurantes de comida mexicana espalhados por 29 Estados americanos, se arriscou a colocar o taco coreano em seu cardápio.
Em Nova York, onde moro, o descolado restaurante Korilla serve sua versão do lanche, mas infelizmente ainda me decepciono toda vez que peço um.
Qual terá sido a grande sacada do chef Choi? Como o sucesso de sua marca reflete a cultura de Los Angeles, uma cidade que elevou tanto o taco coreano e seu criador ao status de cult? E ainda: será que se trata de uma moda ou o prato chegou para ficar?
Colisão de dois mundos
Com essas perguntas na cabeça, desembarco em Los Angeles e saio para almoçar com Besha Rodell, premiada crítica gastronômica do jornal LA Weekly. Dispensamos os trailers de Choi e rumamos para um dos novos restaurantes do empresário, o POT, localizado no hotel Line em plena Koreatown, agitado bairro de imigrantes coreanos no centro da cidade.
Segundo Rodell, a figura de Roy Choi representa essa mistura cultural que transcende os limites da culinária. De certa maneira, a ascensão de Choi foi um reflexo da aceitação, entre os moradores de Los Angeles, tanto da comida coreana como da Koreatown como destino gastronômico e noturno descolado.
Eu e Rodell nos debruçamos sobre uma tigela de kimchi ramen, uma sopa à base do legume coreano, e ela explica sua interpretação para o fenômeno. “A diferença entre Roy Choi e todo o resto das pessoas que estão servindo tacos coreanos é que ele foi um rapaz criado no meio da colisão entre esses dois mundos, o coreano e o mexicano. Sua invenção vem de um lugar autêntico”.
É verdade: o taco coreano não é uma comida fusion forçada, que muitos restaurantes das grandes cidades americanas vêm tentando emplacar há anos. Para Choi, um nativo de Los Angeles que cresceu comendo tanto comida coreana quanto mexicana, trata-se de uma mistura natural. “Além disso, a própria cidade é um caldeirão de culturas, muitas com tradições culinárias não europeias. O sucesso do taco coreano não poderia ter acontecido em outro lugar”, conclui Rodell.
Mexicanos se rendem
No dia seguinte, me encontrei com Bill Esparza, um especialista em tacos cujo site Street Gourmet LA traz suas impressões sobre a comida de rua local. Enquanto dirigimos para o La Taquiza, uma taqueria tradicional perto da Universidade de Southern California, Esparza comenta o assunto. “O Kogi BBQ basicamente deu o pontapé inicial para o fenômeno do food truck gourmet”, diz ele, lembrando que antes os caminhões que vendiam tacos se instalavam em canteiros de obras ou em esquinas pouco chamativas. “A marca é resultado de uma triagulação bem-sucedida entre a tecnologia, um food truck transadinho e algo que as pessoas não conheciam”.
O La Taquiza é uma espécie de templo da cozinha mexicana. Mas aqui, entre burritos e quesadillas, também há espaço para o taco coreano. O dono, Miguel Medina, vem até a nossa mesa e nos joga uma bomba: “Eu inventei o taco coreano antes do Kogi BBQ”.
Diante de nosso olhar incrédulo, Medina conta sua história: há alguns anos, ele planejava abrir uma franquia de sua taqueria na Coreia; o negócio acabou não dando certo, mas depois de ter viajado tanto ao país asiático, ele decidiu fazer uma homenagem e juntou o kimchi com as costeletas grelhadas e as tortilhas de milho.
“Passei uns seis meses experimentando os sabores do taco. Preparamos o kimchi de todas as maneiras possíveis até nos decidirmos pelo kimchi fresco e crocante, que é o que os jovens preferem”.
“Demorou, mas conseguimos emplacar, basicamente por causa da popularidade do Kogi BBQ”, admite Medina.
Bem, talvez nunca venhamos a saber quem foi o primeiro a misturar os ingredientes mexicanos e coreanos. Mas quando uma combinação funciona tão bem, quem é que liga para isso?
'Grudados'
De volta ao aeroporto, faço questão de fazer o check-in bem cedo e me dirijo ao trailer Kogi BBQ que acaba de ser inaugurado. A fila, como era de se esperar, serpenteia pelo saguão. Na frente, uma figura conhecida inspeciona o movimento: o próprio Roy Choi, agora uma celebridade.
Vou até ele, me apresento e pergunto se ele um dia pensou que faria tanto sucesso. “Não tinha a menor ideia de que o Kogi BBQ ia decolar desse jeito”, admite. “Mas trata-se de um produto que é verdadeiramente a cara de Los Angeles, em matéria de ingredientes, de atitude e de ser feito em um trailer.”
Com meu taco nas mãos, nem espero para dar a primeira mordida. É impressionantemente delicioso. O kimchi tem um toque apimentado e uma textura crocante, o limão dá um gostinho azedo, o molho de soja acrescenta uma pitada salgada e as costeletas, muito sabor.
Pergunto a Choi o que torna essas duas culinárias nacionais tão compatíveis. E ele responde, com um sorriso: “Dizem que antes de os continentes se separarem a Coreia e o México estavam grudados”.
Fonte: BBC BRASIL