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Dogville: A vila construída dentro de um cinema ocupado Em SP

O filme "Dogville", com Nicole Kidman, narra a falta de privacidade e o controle mútuo exercido pelos moradores de uma comunidade situada num ambiente excêntrico, sem céu, sol, natureza ou iluminação natural.
A trama se repete na vida real, precisamente na avenida Rio Branco, centro de São Paulo. Ali, por trás de uma enorme fachada pintada de vermelho, 73 famílias vivem literalmente dentro da sala de projeção de um antigo cinema pornográfico.

Sob o enorme teto escuro do salão de piso inclinado, em vez de poltronas, a reportagem encontrou dezenas de casas apertadas construídas em alvenaria, umas coladas às outras, num ambiente abafado, escuro e com poucos banheiros – deles emana um cheiro forte que se espalha pelo local.
O espaço, entretanto, é limpo e organizado: mutirões semanais organizados pelos moradores dão conta das faxinas e reparos no prédio. Pintadas com cores fortes, as construções dentro do cinema ocupado teriam uma aspecto de uma vila de interior – caso estivessem ao ar livre.

Os ocupantes mais antigos estão ali há três anos. "As condições são ruins, ninguém quer ter casa dentro de um salão coberto", diz o urbanista belga Jeroen Stevens, da Universidade Federal de Leuven, que pesquisa as ocupações de movimentos sem-teto no centro paulistano.

"Mas é importante lembrar que se eles estão ali é porque não há opção melhor", lembra o especialista.

Esperança

No fim da escadaria lateral da sala de projeção, uma pequena lavanderia conecta o cinema ao lugar onde funcionava um motel vizinho – com entradas independentes, os prédios são interligados pelos fundos.

Crianças, idosos, homens e mulheres ocupam todos os antigos quartos – neles há banheiros privativos, mas faltam janelas.

No hall do motel, onde os clientes escolhiam quartos e pagavam suas contas, a decoração com motivos egípcios se mantém. O local se tornou hoje um espaço de convivência da ocupação, onde são definidas escalas de revezamento em limpeza, manutenção e segurança.

No sofá preto do hall, a reportagem conversou o maranhense Sirlan, de 22 anos, que chegou em São Paulo há 10 meses.

O jovem tímido conta que veio morar com a irmã na ocupação e que tem parentes – prima e cunhado – em outros prédios ocupados do centro.
Sua história pessoal serve como esperança para moradores de todas as ocupações da região: Sirlan matriculou-se numa faculdade de Tecnologia da Informação, tem boas notas e conseguiu um bom estágio há poucos quilômetros de onde vive.

"Eu tinha uma lan house no Maranhão", conta o rapaz à BBC Brasil.

"A lanhouse era um computador só e eu. Eu fazia currículos para os clientes, baixava documentos, tratava fotos. Agora que estou em São Paulo estou aprendendo sobre hardware e software."

Parceria Público Privada

A BBC Brasil conversou com a prefeitura sobre os movimentos de moradia do centro paulistano.

Além de indicar que "estuda a transferência de edifícios que pertencem ao INSS para serem transformados em habitação de interesse social", a administração citou uma Parceria Público Privada (PPP) para a construção de moradias na região central.

Assinado em setembro do ano passado, o convênio entre prefeitura e governo do estado prevê "14.124 unidades habitacionais no centro expandido da capital, além da requalificação urbana da área central, com equipamentos públicos, obras de infraestrutura e áreas de comércio e serviços", diz a administração.

"O aporte da Prefeitura para a iniciativa será de R$ 280 milhões", informou a secretaria municipal de habitação. O investimento total previsto na PPP é de R$ 3,5 bilhões.

Nem todas as casas, entretanto, serão destinadas à população com o perfil social dos ocupantes do velho cinema da Rio Branco. Mais de um terço das unidades construídas pela PPP serão destinadas a quem ganha entre R$ 4.728 e R$ 8.100.

"Nós não fazemos a exclusão de famílias por faixa de salário", diz Carmen Ferreira, coordenadora geral do MSTC (Movimento dos Sem Teto do Centro), grupo responsável pela ocupação.

"Ocupamos a Rio Branco há 3 anos. Esta é uma área do municipio cujo projeto original era a construção de um 'circo escola'. Nós apresentamos um estudo de viabilidade técnica que constata que o lugar poderia abrigar 300 moradias sociais. Nós perguntamos: o que é mais importante?"

Estrangeiros

Na entrada do antigo cinema, a reportagem encontrou uma família de haitianos. Eles nos cumprimentam com sotaque carregado, mas dizem ter pressa para um compromisso.

Em meados de 2014, pelo menos 500 refugiados estrangeiros ocupavam albergues públicos da capital paulista. Eles estão concentrados principalmente nos arredores da República e da Sé.

"Politicamente não existe respaldo em relação ao estrangeiro que vem parar no centro da cidade. Já estive numa reunião na justiça em que o juiz disse: 'Mas ali na ocupação só tem estrangeiro'. E aí? O estrangeiro não é gente? Nosso trabalho agora é, além de oferecer teto e integração, apoiar a regularização destes refugiados de acordo com as leis brasileiras."

Fonte: iG

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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