Aos 54 anos, Silvia Arraval conseguiu engravidar, de gêmeos. A dentista fechou seu consultório em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, para se dedicar à maternidade. “Depois de 31 anos de batalha como cirurgiã dentista, vou mudar de profissão para mamãe”.
De forma natural, seria impossível engravidar. Silvia entrou na menopausa aos 50 anos, um ano depois de se casar com José Ricardo Arraval. “Nós estamos casados há quatro anos e desde então a gente vem tentando fazer de todas as formas. E a melhor forma foi pela fertilização in vitro”, conta ele.
Os embriões que Silvia implantou são resultado da fertilização do sêmen do marido com óvulos de uma doadora anônima. Elas não terão a carga genética dela. “A verdadeira mãe é a que cria, não é a que gera. A vida é dom de deus. Eu poderia ter colocado esses embriões e não ter fertilizado nenhum deles. Então essas crianças são do meu ventre, eu não sou barriga de aluguel. Pelo contrário! Paguei para ter esses bebes”.
O tratamento de fertilização in vitro custou R$ 15 mil. Não foi fácil encontrar um médico que aceitasse fazer o tratamento em Silvia. Uma resolução do Conselho Federal de Medicina de 2013 determina que apenas mulheres de até 50 anos podem fazer a fertilização. Silvia procurou um advogado e conseguiu uma autorização judicial, alegando que começou o procedimento antes da resolução.
A gente sabe que a silvia sempre foi disciplinada atleticamente, alimentação, a gente tem bom senso pra selecionar as pacientes que nos procuram.
“Então o risco existe, o risco obstétrico, mas isso as pacientes que geralmente entram na gravidez não com uma saúde ginecológica, parte cardíaca, parte pulmonar. A Silvia não. A Silvia tinha uma ótima saúde”, explica Wilson Jaccoud, especialista em reprodução humana.
Quando os bebês de Silvia tiverem 10 anos, ela terá 64, mas o risco de um possível conflito de gerações não existe. “Acho que tudo depende da criação, porque se a gente acompanha a criança, vou ter que acompanhar a idade dele, não posso ficar muito para trás. Nós temos a intenção de criar essas crianças no caminho do senhor. Se ele está nos dando duas bênçãos, ele nos capacita pra criá-los até a idade deles andarem sozinhos”, diz ela.
Silvia e Marcelo
A vendedora Silvia Costa vai passar por uma implantação de embriões, a reta final da técnica conhecida como fertilização in vitro. É o mesmo procedimento que permitiu à outra Silvia, de 54 anos, engravidar. “A gente vai fazer quatro anos de casado e vem tentando engravidar e nada. O dele é que tinha pouco esperma”, conta.
Para conseguir arcar com as despesas do tratamento, Silvia resolveu doar parte dos óvulos coletados. Primeiro os médicos induziram a ovulação. Em um ciclo normal, a mulher libera apenas um óvulo. Na indução, pode liberar mais de dez.
Ao optar pela doação, o tratamento de Silvia ficou mais barato porque ela e a mulher que vai receber os óvulos dividem os custos. A doação compartilhada é permitida no Brasil, mas o comércio de óvulos é proibido. “Fiquei em dúvida, porque é filho meu, se for parar para pensar. Mas aí a gente decidiu e para mim normal”.
O médico de Silvia explica que, como ela escolheu o método de doação, seus óvulos foram divididos. Três para ela, três para a outra mulher, chamada de receptora.
Dois embriões foram implantados no útero de Silvia. “Estou muito contente. Não tem o que falar, de tão feliz que estou. É um momento que eu tava esperando muito também”, diz Marcelo Zuffo, marido de Silvia.
Duas semanas depois, Silvia fez o teste e deu negativo. A mulher que recebeu os óvulos dela também não conseguiu engravidar.
Banco de Sêmen
O maior banco de sêmen do Brasil fica em São Paulo. Criado há sete anos, ele guarda amostras de espermatozóides de mais de 200 doadores. “Aqui nós temos o banco de sêmen de doadores anônimos, para utilizar em casais com infertilidade, para mulheres que querem utilizar o sêmen de um doador para ter um filho. Nós transportamos sêmen de Belém do Pará até o Rio Grande do Sul”, diz Vera Brand, diretora do banco de sêmen.
A amostra é colocada em uma embalagem de isopor com 10kg de gelo seco e pode levar até 48 horas para chegar ao destino. “Então o preço pode variar de R$ 1.800 a R$ 3 mil, depende de diversas características. Se é amostra congelada, se é amostra com preparo. Esse é o valor do serviço, não é o custo da amostra em si”.
Pela legislação brasileira, não pode haver comércio. A doação de esperma só pode ser voluntária e anônima. No principal ambiente do banco de sêmen, apenas homens podem entrar. O doador deve voltar ao banco pelo menos seis vezes, para garantir um estoque mínimo de sêmen.
“Estamos precisando de doadores sempre. Nós estamos sempre incentivando homens entre 18 e 45 anos que queiram ajudar um casal ou uma mulher que está precisando”, explica Vera.
Como o processo é sigiloso, depois da coleta, o sêmen é identificado apenas por um código. Cada doador tem um número e cada coleta tem uma letra e uma dada de congelamento.
As famílias interessadas escolhem o doador pelas características físicas dos homens. “Nunca tem o nome da pessoa. Por exemplo, o doador 292 é um doador 0+, negro, cabelo castanho escuro, olhos pretos, 1,83 metro. São essas características que a gente fornece para as clínicas”, garante.
Cada número representa um homem e cada um deles tem uma história diferente, que o motivou a doar sêmen “Teve um amigo meu que perdeu seu filho. Foi um acidente de um veículo. Infelizmente era a única criança que eles tinham e eles não poderiam mais ter filhos. Aquele sentimento de derrota mexeu comigo”, conta o doador, que não foi identificado.
Mais um homem anônimo topa revelar porque doa sêmen. “Minha atual esposa ela é laqueada, eu tentei, fizemos duas inseminação, mas infelizmente não tive essa felicidade, vamos assim dizer”. Quando perguntamos se ele aceitaria ser pago pela doação, a resposta é direta. “Vou ser sincero, acho que eu me sentiria até ofendido”.
Karina e Edivaldo
Karina Menezes e Edivaldo também passaram pela fertilização in vitro, processo em que a fecundação acontece em um laboratório.
“Viemos em 2012 em abril fazer o tratamento da nossa primeira filha, que deu certo, graças a deus. Ela fez dia dois anos dia primeiro de dezembro. E aí ficou um embriãozinho congelado e agora a gente se organizou, se preparou, para vir buscar. Tomara que dê certo”, diz a professora.
O especialista em reprodução humana Newton Busso explica como são guardados os embriões. “Esses embriões são mantidos congelados indefinidamente. Não podem ser descartados em hipótese alguma”.
Dez dias depois, o casal deve saber se Natália vai ganhar um irmão ou não. Nossa equipe foi encontrá-los na cidade onde moram, Presidente Prudente.
Karina tem endometriose, um problema no tecido que reveste a parede do útero e que pode dificultar a gravidez. Para conseguir ter Natália, o casal passou por uma série de tratamentos por três anos. “Deu R$ 9 mil, mais ou menos”. Para congelar o embrião restante, foram mais R$ 4 mil e a segunda implantação custou R$ 5 mil.
Apenas nove centros de atendimento em todo o Brasil oferecem tratamento de reprodução assistida pelo SUS, mas a fila passa dos cinco anos em alguns casos. Também não é possível recorrer aos planos de saúde, nenhum cobre.
Karina foi com o pai saber o resultado do exame de gravidez. O médico abre o exame e informa que, infelizmente, não houve a implantação embrionária. “Não era o que a gente esperava, eu estava acreditando, que pena”.
“Esse embrião provavelmente não era um embrião tão bom quanto a Natália. A natureza seleciona. Quando o embrião é bom, é ótimo, ocorre a implantação, quando embrião não é bom, não ocorre a implantação”, explica o médico.
Eliziário e Ricardo
No Aeroporto Internacional de Guarulhos, encontramos o casal Eliziário Siqueira Junior e Ricardo Purini. Os brasileiros acabaram de voltar do Nepal. “A gente foi iniciar um processo de gravidez por substituição, barriga de aluguel”, conta Ricardo, psicólogo.
O processo envolveu várias pessoas ao redor do mundo. Primeiro o casal do Brasil procurou uma agência de reprodução assistida que fica em Israel. A coleta de sêmen poderia ser feita lá, nos Estados Unidos ou no Nepal, um pais localizado a 15 mil quilômetros de São Paulo.
Os dois preferiram Katmandu, porque é na capital do Nepal que fica a clínica responsável por contratar a mulher que vai gerar o filho deles: uma indiana. “No Nepal tem a legislação que permite a barriga de aluguel, mas a barriga de aluguel não pode ser uma mulher nepalesa, ela é indiana”, explica Eliziário, que é médico obstetra.
O psicólogo Ricardo e o médico Eliziário não pagaram pelos óvulos. “A gente teve uma ideia de, como se fosse juntar a minha genética com a genética dele. E teve a idéia de pegar o óvulo da irmã dele”, conta Eliziário.
“Isso na verdade é bastante louco para as pessoas que acompanham, porque o questionamento é esse: ‘você vai ser mãe’. Eu falo, ‘não, eu não vou ser mãe, eu só vou doar os óvulos’. Mas falam que geneticamente é, eu falo geneticamente pode até ser, não sei exatamente, mas mãe, não, tia”, diz Mayana Purini.
O casal enfrenta mais uma viagem de avião até São José do Rio Preto, interior de São Paulo. Na chegada, conhecemos a família de Eliziário. “Feliz com a chegada deles, parece que tudo deu certo, então a gente torce para que tudo corra bem. Na verdade é um sonho dele e ele batalha, ele busca, junto com o Ricardo, eles buscam uma verdadeira família, que vão construir agora”, diz Maria Filomena Siqueira, mãe de Eliziário.
Na viagem de carro até Auriflama, onde mora a família, a mãe de Eliziário, dona Diló, faz perguntas sobre a barriga de aluguel. Eles explicam que a mulher é amparada pela empresa durante a gravidez e que recebe o pagamento na entrega da criança.
A decisão de ter um filho gerado no Nepal por uma barriga de aluguel foi logo depois do casamento deles, em outubro do ano passado. A festa de casamento para 600 convidados ganhou reportagem numa TV regional.
“Eu fico imaginando como vai ficar a nossa casa quando a gente chegar com os bebês. Vai virar ponto turístico”, acredita Ricardo.
Ricardo e Eliziário passaram uma semana em Katmandu, capital do Nepal, mas era proibido gravar imagens da clínica de reprodução. “A clínica é bem legal, tudo limpinho, mas a hora que você olha para o país, é um país muito pobre. Então até você chegar e ver como é a clínica te assusta”, revela Eliziário.
Se a gravidez der certo, o bebê deve nascer em dezembro. “Se ele quiser saber quem é a outra parte do DNA? A sua tia doou o óvulo para você ser gerado, mas não vai ter mãe, vai ter dois pais”, conta o obstetra.
O processo sai caro. “Com as passagens e os gastos lá eu acho que chega a uns R$ 150 mil”.
Eliziário não vai poder acompanhar a gestação do próprio filho no Nepal, mas como ginecologista, é o que ele faz todo dia com várias pacientes. O casal não pode escolher a mulher que alugou a barriga e nem falar com ela.
Nossa equipe pediu para conhecer as mulheres que alugam as barrigas, mas a clínica no Nepal não permitiu. “Eu acho ético. Ela está nos beneficiando, assim como a gente também. É um serviço na verdade, a gente está pagando por um serviço dela gestar nosso filho”, acredita Ricardo.
Andréia
Esta é a terceira vez que Andreia Vico e o marido tentam a fertilização in vitro. Acompanhamos a implantação do óculo no útero da dona de casa.
Doze dias depois, nossa equipe foi até Campinas para saber se depois da terceira tentativa, a Andrea conseguiu ficar grávida ou não. “Eu não consegui assim esperar e eu vi o resultado pela internet e eu estou grávida!”.
Na semana seguinte, acompanhamos o primeiro ultrassom. O médico diz que é uma gestação única. Apenas um dos quatro embriões foi implantado. “É muito, muito emocionante. Só para quem passa na verdade, muito, muito bom”, comemora ela.
André
Pela lei brasileiras não pode haver comércio a doação de esperma só pode ser voluntárias e anônima, mas nem todos querem sigilo total ao escolher um doador de sêmen.
No Rio de Janeiro mora uma família que escolheu um doador de sêmen de fora do Brasil. André tem 13 anos e é filho de um casal de mulheres que importou sêmen. “No Brasil você tem muito pouca informação sobre o doador em si. Eu queria saber mais. Alguma coisa que me desse um pouco mais de segurança de saber com quem que eu to misturando meus genes”, explica Ana Lúcia Lodi.
Nos Estados Unidos, o doador não é protegido por sigilo absoluto. A família pode ver fotos e outras características do homem antes de escolher. Ana Lúcia guarda os documentos até hoje.
Com 13 anos, André já rodou o mundo na companhia da mãe, que é agente de turismo. Entre várias viagens que eles já fizeram, uma delas foi especial. O menino foi para Orlando conhecer os irmãos de doador.
“Existe um site onde a pessoa pode se cadastrar. Se o seu doador ainda não tiver lá você cadastra o seu doador e deixa seu email”, explica Ana.
Pela internet eles tiveram uma surpresa: eram mais de 32 crianças ao redor do mundo. No encontro em Orlando, estavam seis, de três casais de mulheres. “Irmãos não são, porque eu não convivo com eles, mas tipo é experiência legal. São amigos”, diz André.
O homem responsável pelo nascimento de André não é esquecido. “Gratidão pela pessoa ter colocado nessa situação de poder ajudar alguém”, revela Ana.
“Não é qualquer um que faz isso. Também não tenho sentimento nenhum, mas é bom agradecer, falando "obrigado" assim, porque se não fosse ele, não estaria aqui, todo mundo assim”, diz o menino.
Karina e Kátia
Em Rio Claro, no interior de São Paulo, conhecemos a história de Karina e Kátia. Karina está esperando o nascimento de Laura, mas é Kátia quem está grávida. Uma irmã está emprestando o útero para a outra ter um filho.
Essa é a terceira gravidez de Kátia, que já tem dois filhos. Dessa vez fez uma fertilização in vitro, com material genético da irmã e do cunhado. “Explicar é difícil. A pessoa tem que estar na pele. Estou grávida, sou a gestante, não sou a mãe, sou útero solidário”.
Kátia mostra o parto do Matheus, o filho mais novo dela, que hoje tem cinco anos. Karina liga para Kátia pelo menos dez vezes por dia. As irmãs se vêem sempre.
Kátia já está no sexto mês de gestação. Mesmo assim, Karina tem medo de comprar todo o enxoval de Laura.
O primeiro filho da Karina nasceu prematuro e sobreviveu apenas 12 dias. No ano passado, ela fez uma fertilização in vitro. No quinto mês de gravidez, teve problemas. “Aí o médico falou que eu não poderia mais gerar. Aí minha irmã que falou ‘Karina, eu gero para você, então’”.
A irmã gestante não tem dúvidas de que a decisão foi certa. “Eu fui tão feliz como mãe, que eu queria que ela também sentisse isso. A alegria de ter filhos. Dá trabalho, mas é um trabalho gostoso. Eu queria que ela tivesse essa mesma realização que eu, que minha outra irmã também tem”.
Fonte: G1