Minha infância toda foi na Avenida Ipiranga, em Cuiabá, Mato Grosso, e que antigamente chamava-se Rua Goiabeira de Cima.
Lá não tinha asfalto e eu e meus amigos nos divertíamos à beça sem se preocupar com assaltos, carros em alta velocidade. A gente nem sabia que um dia iríamos crescer.
Da janela do meu quarto dava pra avistar o Morro de Santo Antônio, que imponente colocava-se no horizonte da Cidade Verde. Com o tempo roubaram o meu “Morro” – coisas de prédios e da modernidade do homem.
Quando visito a minha mãe – Dona Rosa –, uma costureira de mão cheia e que fez roupas para todos da rua, só consigo ver prédios ao longo daquela avenida que era cheia de árvores.
Não conheço quase ninguém naqueles arranha-céus, e olha agora que tem gente “demás”, como nós cuiabanos costumamos dizer.
Sinto saudades de ir à casa de “Dona Jove” e “seu Eurides” tomar um café. Não vejo Dona Diva na janela e que sempre nos observava para saber se não estávamos aprontando algo. Não vejo mais “seu Caetano” sentado no batente da porta.
Cadê “seu Pedro e Dona Naurina” com o bolicho aberto para eu comprar um caramelo? Mas poderia ir à vendinha do “seu Agostinho e Dona Lolica” – mas cadê?
Quando tudo estava fechado, ia até o “Japonês”, claro, sem deixar de passar em frente à casa de “Seu Bandeira”, “Seu Rural” que era logo ali em frente à “Mulher dos Patos”.
Quantas pessoas. Quanta saudade: seu Cirilo e Dona Aquilina, Dona Fia e Seu Tico, Seu Fiote e Dona Didi, Dona Julieta, família de Abenildo e Idilma – ah e tinha Seu Ataíde, Seu Pituca e Dona Geralda… os desbravadores da rua.
Ah, os tempos que não voltam mais e as pessoas que ficam guardadas para sempre na memória e no coração.
Hoje ainda resistimos. Não temos mais o Morro de Santo Antônio, mas temos os últimos guerreiros: Dona Lili e Seu Aniceto, famílias de Dona Dadá, Seu Lúcio e Dona Catita, família de Wuik e a família Reiners Griggi!
Todos bravos guerreiros que permanecem ali naquele cantinho da Ipiranga. Espremidos, mas ainda sobrevivendo e resistindo à modernidade e às tentações monetárias que rondam à espreita de transformar uma casa em mais um prédio.
Guerreiros fortes.
Sobrevivendo feito nossa independência do Brasil.
Num último grito.
O grito da IPIRANGA!