A Ordem dos Advogados do Brasil vai oficiar as polícias do Distrito Federal para apurar o possível envolvimento de membros das corporações com postagens que fazem apologia à morte de criminosos e xingam quem critica servidores da segurança pública. As mensagens foram enviadas por meio do perfil "Polícia Feminina" em uma rede social. De setembro do ano passado a esta quinta-feira (19), a conta fez 192 publicações e angariou 5.848 seguidores.
Entre as imagens postadas estão a de uma policial militar usando óculos escuros e apontando a arma, com a legenda "Câmera para bandido. Olha e espera o flash", e a de uma civil de costas, usando colete, acompanhada do texto "Não importa como e aonde. Iremos ao combate, iremos te achar. Por que para nós bandido bom é aquele a sete palmos da terra (sic)".
Outras postagens criticam mulheres que postaram fotos com ofensas a PMs, chamando-as de "marmitinha de bandido", "verme" e "aborto malsucedido". O G1 procurou a administração da página, que disse ainda não ter um posicionamento sobre a situação.
As fotos, segundo as publicações, pertenceriam a policiais de todas as áreas – Civil, Militar, Federal e Rodoviária Federal – e de diversos estados. Em uma montagem divulgada há cinco meses, a responsável por administrar o perfil reuniu os brasões das PMs do DF, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Bahia, Amazonas, Pernambuco, Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Santa Catarina, Rondônia e Espírito Santo.
Por e-mail, a Polícia Civil do DF disse não ter reconhecido a participação de mulheres da corporação nos posts e disse que a formação do quadro "é pautada no respeito e defesa aos direitos individuais e coletivos". A PM do DF afirmou que a conta "claramente não pertence a nenhuma instituição policial militar" e que não pode responder por ofensas feitas em um perfil particular. A Polícia Rodoviária também declarou que o perfil não é institucional. "A Corregedoria da PRF se pauta na legalidade e não corrobora com qualquer atitude de seus agentes que venha a desrespeitar a legislação vigente." O G1 também procurou a polícia Federal, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
A vice-presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB, Indira Quaresma, criticou a existência da conta. "[A prática] Não é tolerável em nenhuma circunstância, mas principalmente quando se trata de agentes de segurança pública. O fato de o perfil ser particular não torna o fato menos gravoso, pois ele, ao que parece, propõe-se a trazer a público condutas violentas de policiais sob uma capa de deboche, o que coloca as respectivas corporações na berlinda."
Segundo a advogada, a ordem vai aguardar a resposta dos comandos das polícias do DF sobre as investigações para adotar outras medidas. Indira disse ainda que não estão descartados cursos de atualização que tratem sobre o respeito a suspeitos de crimes.
O presidente do Sindicato dos Policiais Civis do DF, Rodrigo Franco, afirmou à reportagem que a categoria rejeita a postura disseminada por meio do perfil. "Não coaduno com esse tipo de postura. Os policiais civis de Brasília não coadunam com esse comportamento", declarou. "Não conheço nenhuma policial daqui que tenha a ver com isso."
Imagem e reconhecimento
Especialista em segurança pública, a doutora em ciências sociais Cristina Zackseski analisou algumas publicações a pedido do G1. Entre as situações identificadas pela professora estão a depreciação da imagem da polícia combinada com vulgaridade, a falta de perfil e de compreensão do que é o trabalho policial e o uso dos símbolos das corporações como forma de reforçar o corporativismo.
"O discurso de rigor contra o crime como sendo o que falta para vencer a luta contra o crime foi e é alimentado por muitos anos por uma política criminal autoritária, que não é exclusividade dos períodos autoritários, mas que sobrevive em várias práticas do sistema de controle formal. A pessoa que posta se serve de uma lógica segundo a qual aqueles que se dizem cidadãos de bem vão aplaudir quando alguém é ou promete ser 'enérgico' contra o crime, ainda que essa energia seja criminosa, pois a leitura do senso comum é a de que o crime sempre está mais forte do que 'nós' e que por isso precisa de um enfrentamento violento", afirma.
A vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Indira Quaresma, deu declaração semelhante. Segundo ela, há anos vem se discutindo as razões da violência policial, que geralmente são atribuídas ao treinamento.
"A prioridade da polícia deve ser sempre a preservação da vida, para que o criminoso responda ao devido processo legal. A medida da força da polícia deve ser tão somente a suficiente para cessar a violência que parte de um acusado ou de um criminoso", diz. A ideia segue o que preconiza o artigo 5ª da Constituição Federal, que diz ser assegurado aos presos o respeito a integridade física e moral.
"De certa forma, a violência que grassa na sociedade e a sensação de impunidade levam as pessoas a apoiarem respostas igualmente violentas, seja por parte da polícia, seja por parte da própria população. Há muita gente que acha que a polícia deve agir com violência, e isto de certa forma dá ousadia para que mais e mais mídias sociais sejam usadas da forma como vimos agora. E isto é um redundante equívoco", completou Indira.
O G1 pediu para entrevistar o secretário de Segurança Pública, Arthur Trindade, mas a assessoria da pasta afirmou que não se manifestaria e que a PM tinha autonomia para responder sobre o assunto. O presidente do Sindicato dos Policiais Civis do DF, Rodrigo Franco, diz acreditar ser necessária uma mudança na forma em que se pensa a área.
"[Precisamos de um modelo em] que os policiais se sintam parte e os cidadãos sintam confiança nos órgãos de segurança. O que percebemos é um sistema falido. Não falo dos policiais, falo de uma situação muito maior. Existe uma grande insatisfação da sociedade com a impunidade", afirma. "Às vezes a gente não encontra eco, não encontra um reconhecimento da sociedade por tudo aquilo que nós fazemos. Às vezes pode ser um pouco isso [que motivou as publicações], de decepção com a sociedade por um não reconhecimento, mas isso não justifica."
Fonte: G1