Pela primeira vez no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, em Campinas (SP), uma equipe de cirurgiões plásticos realizou uma cirurgia de extensão de pele em vítima de queimaduras graves. O procedimento ocorreu nesta terça-feira (10) em uma criança de 8 anos de idade que teve 45% do corpo queimado há dois anos.
O HC é um dos hospitais do país autorizados pelo Ministério da Saúde a realizar o procedimento com um material desenvolvido nos Estados Unidos, a matriz dérmica com silicone, capaz de acelerar a recuperação de pacientes com grandes áreas de pele perdidas e recuperar os movimentos do corpo prejudicados após uma cicatrização inadequada.
Segundo o chefe da cirurgia plástica do HC e professor da Unicamp, Paulo Kharmandayan, o caso do menino foi o primeiro a ser analisado e aprovado pelo hospital. Ele sofreu um acidente em casa, na cidade de Ibaté (SP), em setembro de 2013, quando tinha 6 anos.
A região mais afetada foi o pescoço, o que acabou limitando os movimentos da cabeça do menino. Mesmo após uma série de cirurgias reparatórias, o organismo dele não reagiu bem ao processo de cicatrização.
"O queixo dele estava 'colado' ao tórax. Na medida em que ele vai crescendo, isso pode prejudicar o desenvolvimento cervical. Ele não consegue fechar a boca direito, tinha exposição dos dentes. Poderia não conseguir se alimentar, piorar, afetar a dentição. A respiração também poderia ser afetada com o tempo", explica Kharmandayan.
Além da equipe especializada e de alunos do curso de medicina, cirurgiões de tórax também precisaram acompanhar a operação, por causa da gravidade do caso.
Recuperação rápida
A cirurgia no menino durou duas horas e em um mês ele já deve ter de 80% a 90% dos movimentos do pescoço recuperados, conforme expectativa do chefe da cirurgia plástica.
"Ele terá vida praticamente normal, com melhora estética grande. Em três semanas vamos retirar uma camada de enxerto bem fina de uma parte do corpo, o que não vai deixar cicatriz, e colocar sobre a matriz, que já vai estar integrada ao organismo. A cicatriz fica bem sutil", explica o cirurgião.
Para a mãe do menino, a dona de casa Fabrícia de Quadros Souza, de 28 anos, a cirurgia foi uma realização. O filho chegou a receber atendimento no Hospital de Queimados de Limeira (SP), que também possui autorização do Ministério da Saúde para fazer esse procedimento.
No entanto, segundo a mãe, ele aguardou cerca de um ano até ser encaminhado para Campinas, já que a unidade não possuia um equipamento necessário para a cirurgia. "Fiquei muito feliz. Ele não via a hora de fazer essa cirurgia", conta.
O menino sofria na escola por causa da aparência, além da dificuldade para participar de algumas brincadeiras e também no dia a dia.
"Ele tinha dificuldade de olhar pra cima e até de mastigar. Foi difícil, a gente via a agonia dele. Agora ele vai poder brincar melhor. Ele gostava de soltar pipa, é o que mais gosta. Eu temia não conseguir. Ele foi escolhido por Deus", diz a mãe.
Custo alto
Cada matriz, de 10cm x 25cm, tem custo de R$ 26 mil, segundo o cirurgião. O menino precisou de duas dessas para dar cobertura a toda a área afetada do pescoço e parte do tórax, portanto um custo de R$ 52 mil.
Apesar da aprovação do Ministério da Saúde para que a matriz seja usada pelo SUS, os hospitais é que devem arcar com a despesa. No caso do HC, foi feita uma negociação com a empresa distribuidora. Após cerca de dois meses de espera, as duas matrizes foram doadas para a execução da cirurgia.
Outros usos para a matriz dérmica
O material das matrizes, desenvolvido em 2001 e disponível no Brasil desde 2011, pode ser aplicado não só para casos de queimaduras graves, mas também outras situações de perda de pele.
Exemplos são vítimas de acidentes de trânsito e pessoas que tiveram que retirar um tumor de pele, como câncer, em uma área grande.
Assim como ocorreu com o menino de Ibaté, cada caso deverá ser analisado pelo hospital, inclusive para descartar as chances de outros procedimentos, como o enxerto e o uso de retalhos de pele, comuns para cobrir lesões.
No entanto, após a operação inédita e considerando as chances de recuperação, a realização de cirurgias com a matriz deve ser mais frequente no HC, acredita Kharmandayan.
"O futuro é tirar uma pele sintética da gaveta, moldar com o DNA da pessoa e o implante ficar perfeito. Isso é ficção hoje, mas a ciência está caminhando pra isso", pensa.
Fonte: G1