"Aprender com os erros, refazer a vida e seguir em frente fugindo dos preconceitos". Esses são os desejos da jovem Adriele Lemos, de 26 anos, que, incomodada com os "olhares tortos" de alguns vizinhos, decidiu pintar recados públicos na parede frontal da própria casa. "Atenção para os fofoqueiros de plantão. Promoção do dia: paguem as minhas contas e terão o direito de falar da minha vida", diz uma das mensagens.
O caso ocorre em Malvinas 2, bairro simples do município baiano de Jaguaquara, que fica a 336 quilômetros de Salvador. Adriele comprou um imóvel em novembro de 2014. No local, ela diz que conquistou o sonho da casa própria e também percebeu que teria que lidar com comentários maldosos, que percorreram a cidade, sobre erros cometidos no passado.
Adriele Lemos detalha que, no dia 13 de abril de 2009, foi presa após ter se envolvido em uma relação com um traficante de drogas. "Um dia, a polícia esteve na minha casa à procura dele e não encontrou. Acharam uma balança [de precisão] e me levaram. Ele chegou a ser preso e disse que não estava envolvida, mas acabei sendo condenada. Fiquei presa até 10 de agosto de 2010 e depois cumpri dois anos na condicional, que acabou em 2011", disse.
Na cadeia, a jovem descobriu que estava grávida. Lá passou todo o período gestacional e, pouco tempo após o nascimento, conquistou a liberdade. Não só dela, mas do bebê, que passou os primeiros meses de vida na unidade penal . "Foi um período muito difícil. O meu passado, eu não posso mudar. As pessoas se prendem ao passado, enquanto eu trabalho para refazer a minha vida. Eu não devo mais nada à sociedade", defende.
Refazendo a vida
Após a liberdade, Adriele destaca que enfrentou problemas para conseguir emprego. "Eu saí e tentei procurar um trabalho. Ainda tem muito preconceito. Quando sabem que é ex-presidiário, ninguém confia. Por isso, comecei a vender doces e salgados", afirma.
Em setembro, a jovem conta que perdeu a mãe, com quem só passou a ter contato aos 13 anos. "Ela me abandonou e fui criada pelo meu pai e diversas madrastas. Depois, nos reencontramos. Em setembro [2014], ela faleceu. Com a morte, o valor da casa dela foi dividido entre os herdeiros. Foi então que consegui comprar a minha casa própria", revelou.
No bairro onde decidiu viver, ela disse que, logo após sua chegada, percebeu olhares dos vizinhos, que pareciam se incomodar com o fato dela ser ex-presidiária, mãe solteira e morar sozinha com o filho. "Passava pelas ruas e percebia que estavam falando de mim. Perguntava e diziam que eu estava enganada. Foi então que decidi deixar as mensagens no muro", disse.
Além do alerta às pessoas, que classifica como "fofoqueiras", Adriele se inspirou no músico Bob Marley para pintar um segundo recado. "Não ligo que me olhem da cabeça aos pés, pois nunca farão a minha mente e nunca chegarão aos meus pés", diz em mais uma mensagem.
Adriele diz que as pessoas "que não vestiram a carapuça" elogiaram a ação. "Já me disseram que deveria haver mensagens como essas a cada esquina", afirmou. Com os estudos interrompidos no 1º ano do ensino médio, quando precisou começar a trabalhar para criar o filho, a jovem de 26 anos diz que tenta não ligar para o preconceito das pessoas e que espera seguir em frente.
"Eu tinha três sonhos. O primeiro era de ter uma casa própria e já conquistei. O segundo é de expandir o meu negócio. O terceiro é de ser artista. Acho que eu seria uma ótima atriz. Quem sabe, um dia não aparece a oportunidade", almeja.
Fonte: G1