A menos de 15 dias para o carnaval, o movimento é intenso nas lojas de sandálias para a folia. Toda atenção é importante para desenvolver a tempo esse item que garante o samba no pé das rainhas e madrinhas do carnaval.
É que, neste ano, o adereço merece atenção especial: os saltos usados pelas musas estão cada vez maiores, contam Mireille Fischmann e João Vidal, responsáveis por duas grandes lojas especializadas em sandálias para o carnaval.
Os proprietários de lojas ouvidos pelo G1 afirmam que os saltos aumentaram entre 4 e 6 cm nos últimos quatros anos. "Hoje botas, como as gladiadoras, chegam a 17 cm. Antigamente, o máximo que fazíamos era 13", revela Mireille. Os sapatos estão ficando mais altos e com mais plataformas, que é o que dá conforto e sustentação ao adereço.
Mireille e sua irmã Alegra Yedid comandam a loja Au Bottier, que funciona desde os anos 60 anos na rua Augusta, centro de São Paulo. Criada pelo francês Maurice, pai das duas, a boutique virou referência entre os artistas que trabalhavam com teatro e as assistentes de palco dos programas do Chacrinha e Sargentelli. Atualmente, além de desenvolverem as botas e sandálias usadas por musas das escolas de samba e personagens de novelas e musicais, a loja atende um público bastante eclético, de madames a adolescentes.
"Nós temos desenvolvido a cada ano sandálias maiores. Antigamente, o salto das musas não tinham uma plataforma tão alta", diz Mireille. "Tivemos que trabalhar duro para criar formas e modelagens especiais para nos adaptar ao pedido do público". A preocupação de Mireille tem motivo: além de ser parte importante do figurino, a escola pode perder pontos se os foliões não completarem o circuito com o acessório.
"As mulheres estão cada vez mais ousadas. E até quem não é musa está buscando um salto bem grande", conta João. "Antigamente, a gente chegava no máximo a 12 cm. Este ano, fiz um salto de 18 cm e não foi para nenhuma musa ou rainha da bateria". O salto será usado por uma destaque do carro Abre Alas da escola de samba Dragões da Real.
João Vidal tem 26 anos e é advogado. Desde a faculdade, nesta época do ano ele deixa o terno de lado para ajudar na empresa de calçados da família, a Carnaval dos Pés, com sede em Interlagos, zona sul de São Paulo. A loja, que trabalha há 30 anos com calçados para o carnaval, chega a produzir 35 mil pares a cada ano.
Em 2015, a Carnaval dos Pés produziu os calçados de sete escolas do grupo especial e São Paulo, de empurradores de carros a rainhas de bateria – como é o caso de Ellen Roche, a rainha de bateria da Rosas de Ouro. "A gente confeccionou a sandália que ela irá usar. Mas o salto da Ellen não será tão alto, terá 15 cm", revela.
"Meu salto varia sempre entre 10 cm e 15 cm. Eu não exagero muito", diz Ellen. "Com um salto desse tamanho eu já fico alta o bastante, eu vejo a bateria de cima e é emocionante", revela.
Os pés da rainha da Rosas de Ouro já foram destaque há alguns anos porque a rainha terminou o desfile com "sangue no pé". Ela confessa que não tem vontade alguma de repetir o feito, apesar de ter achado emocionante naquele ano. "Eu nem senti que o pé sangrava quando terminei aquele desfile, mas depois eu sofri bastante. Hoje, a qualidade do calçado é um dos itens que mais me preocupo quando vou experimentar minha fantasia", conta.
Popularizou
Não foram apenas os saltos das musas que aumentaram. "Antes, só algumas musas arriscavam usar um salto mais alto, as meninas saiam de rasteirinha. Hoje, todas querem um saltão", diz Alegra.
Para este carnaval, a Au Bottier já vendeu mais de 700 botas, como as gladiadoras. Ela conta que a bota de tira entrelaçadas – cujo preço varia de R$ 190 a R$ 450 – não é usada apenas para os desfiles no Anhembi e na Sapucaí. "Hoje, as meninas usam também nos bloquinhos e bailes", orgulha-se.
A popularização das sandálias acima do joelho e de altos saltos acabou mexendo com o mercado – não só nacional. A rainha Dragões da Real, Simone Sampaio, que desfila há 19 anos com salto, disse que ficou impressionada por encontrar, nos últimos anos, sandálias para desfilar em lojas de grandes marcas. "Ano passado, comprei minha sandália na Oscar Freire. Quando eu comecei, era difícil achar sandálias bem feitas e resistentes. Hoje eu nem me preocupo muito", conta.
A peça popularizou de tal modo que a gladiadora foi destaque na temporada de verão 2015 das passarelas de moda de Nova York a Paris, onde apareceu nos desfiles da alta-costura de Valentino e também da marca francesa Chloé e da italiana Dsquared.
Simone relembra que nos anos 1990 ela comprou sua sandália com o um artesão que mantinha uma pequena loja na Avenida 9 de Julho, centro de São Paulo, que fazia tudo sob medida. “Com o salto sob medida você tinha uma segurança maior”, diz. “Mas não havia muitas opções, como existe hoje com a entrada das grandes marcas no mercado”.
A musa reconhece que as sandálias têm aumentado de tamanho a cada ano, mas diz que prefere os saltos mais medianos, em torno de 15 cm. "Eu sambo de verdade durante todo o percurso, então prefiro um salto que me dê mais estabilidade", argumenta.
Mantendo a tradição
O artesão onde Simone fazia suas sandálias quando ela começou a desfilar ainda continua trabalhando no mesmo endereço, na Avenida 9 de Julho. David Custódio dos Reis, Seu David, como é conhecido, tem 80 anos e ainda mantém a tradição de fazer a mão as sandálias do carnaval. Sapateiro desde os 15, ele começou a fazer calçados para o carnaval em 1988, para a Vai Vai.
Para ele, pouca coisa mudou desde 1988. "O trabalho manual sempre foi diferenciado. Meu serviço é artesanal, todo feito à mão. Produzo e executo sandália por sandália", conta.
O baiano, que aprendeu o ofício em Alagoinhas, com um sapateiro profissional, produz cerca de 100 pares de sandálias nessa época do ano. Neste ano, ele está desenvolvendo os calçados dos passistas da Vila Maria e da Vai Vai. O salto mais alto que está desenvolvendo terá 15 cm. "As sambistas gostam de um salto alto, né? Eu já cheguei a fazer sandália de 20 cm, mas esse ano o meu público está mais modesto", brinca.
Fonte: G1