Um grupo de astrônomos de várias instituições, anunciou nesta semana a descoberta de um sistema planetário em uma estrela a meros 117 anos-luz de distância, o que é praticamente o nosso quintal em termos comparativos. Esse sistema tem cinco planetas rochosos, todos eles menores que a Terra. Na verdade, os planetas são maiores que Mercúrio, mas menores que Vênus e orbitam a estrela Kepler 444. Essa estrela é uma anã vermelha, de tipo espectral K, o que a faz bem mais fria e menor que o nosso Sol.
Esse é um sistema bem peculiar. Os cinco planetas descobertos estão tão próximos de sua estrela que o mais afastado deles, Kepler 444f, leva menos de 10 dias para completar sua órbita! Todos os planetas devem ser mais quentes que Mercúrio, o que torna quase impossível haver vida neles. Na verdade, Kepler 444 tem cinco planetas e três estrelas! Sim, esse é um sistema estelar triplo e uma das estrelas é que abriga os planetas. Aliás, Kepler 444 pode ser visto com um par de binóculos na constelação da Coroa Austral.
O sistema de exoplanetas foi descoberto na base de dados do satélite Kepler, que já falei aqui diversas vezes, mas não nessa sua fase 2 de observações. Os dados estavam nos arquivos de mais de 4 anos de observações disponível na internet. Esse é o sistema de planetas rochosos mais compacto descoberto até agora, mas tem mais coisas interessantes sobre ele.
Para começar, essa descoberta foi financiada em parte pelo método de “vaquinha” eletrônica chamado Pale Blue Dot. É possível adotar desde uma estrela até um sistema planetário, doando uma quantia que varia entre US$ 10 e US$ 100. De acordo com o site, 100% dos recursos arrecadados vão para astrônomos envolvidos em pesquisas com o Kepler e, em contrapartida, o doador recebe um certificado com o nome dele.
Voltando.
Os planetas foram descobertos pelo método de trânsito planetário, quando eles passam na frente da estrela causando uma sutil queda de brilho. O “tamanho” da queda de brilho e a sua duração dão pistas sobre o tamanho do planeta e sua órbita, por exemplo. Entretanto, as observações precisam ser “validadas” posteriormente, seja por métodos estatísticos, seja por outros métodos observacionais como a espectroscopia, por exemplo.
Bom, isso feito, o time de astrônomos liderado pelo português Tiago Campante, da Universidade de Birmingham (Reino Unido), usou os dados do Kepler para calcular a idade da estrela. Como? Usando terremotos, ou melhor, estelemotos!
É assim, as estrelas vibram muito sutilmente, como ondas em uma bacia, ou mesmo a vibração da pele de um tambor. Na Terra são as ondas sísmicas que provocam os terremotos, em estrelas chamamos de astrosismologia, vulgo estelemotos.
Os estelemotos podem ser detectados por variações de brilho da estrela também, mas muito mais sutis que os trânsitos planetários. Só que um dos objetivos do Kepler é também estudar essas vibrações estelares, ele subiu ao espaço preparado para isso. Mas por quê?
As vibrações detectadas através das variações de brilho da estrelas são dependentes de vários fatores, entre eles a temperatura, a gravidade superficial, o tamanho, a densidade, a massa e a idade da estrela. Com uma medida precisa do período das vibrações é possível conhecer com detalhes o interior das estrelas. O mesmo tipo de estudo nos permite conhecer o interior da Terra a partir do estudo de terremotos.
No caso de Kepler 444, a astrosismologia nos revelou que o sistema é velho, bem velho e deve ter por volta de 11,2 bilhões de anos! E o que tem de interessante nisso?
Considere a idade do universo, mais ou menos 13,8 bilhões de anos. Kepler 444 e seus planetas foram formados quando o universo tinha uns 2,6 bilhões de anos apenas. Pode parecer muito, mas em termos práticos não é.
Com o Big Bang, foram criados apenas hidrogênio, hélio e traços de outros poucos elementos químicos leves. Todo o resto da tabela periódica foi formada no núcleo de estrelas, ou quando elas explodiram no final de suas vidas. Criar e espalhar elementos químicos mais pesados levou tempo. Muito tempo.
Kepler 444 deve ser parte das primeiras gerações de estrelas formadas quando a Via Láctea ainda era bem jovem, quando o universo era bem jovem. Os planetas ao redor dessa estrela são os mais velhos já descobertos e isso é bastante interessante do ponto de vista da vida na galáxia.
Como eu falei no início, esse sistema em si não deve abrigar vida, mas se os elementos necessários para que ele se formasse existe já há tanto tempo, o mesmo pode ser assumido para os elementos para o surgimento da vida. Trocando em miúdos: ao menos em tese, a vida deve ser uma coisa muito mais antiga do que pensávamos antes.
Então vamos viajar um pouco.
A vida que conhecemos (a nossa) levou por volta de 5 bilhões de anos para chegar onde chegou. Se descobrimos agora que havia condições dela surgir há mais de 10 bilhões de anos atrás, poderíamos já ser a segunda geração de seres vivos na Galáxia! Por outro lado, a primeira geração de seres vivos já teria mais de 10 bilhões de anos de idade e de avanços.
Já poderia inclusive ter se espalhado pela Via Láctea inteira e a pergunta que fica é: cadê todo mundo? Essa é a essência do famoso Paradoxo de Fermi, proposto por Enrico Fermi, que perguntou justamente isso: se tem todos os elementos para criar vida e teve tempo suficiente para ela se criar e se desenvolver pela Galáxia, cadê todo mundo?
Bom, não há uma resposta para essa pergunta, mas várias. Fermi elaborou essa questão de forma provocativa, para que todos pensassem nas possibilidades de resposta. Uma delas é que uma civilização se formou, se desenvolveu e se aniquilou, por exemplo. Outra possibilidade seria que na verdade a vida não tem condições tão favoráveis assim pela galáxia e somos de alguma maneira bem raros, ou pior: únicos…
Fonte: G1