Cidades

População em situação de rua vive à sombra das cidades

Foto: Mary Juruna/Arquivo-CMT

A vida nos centros urbanos, o cotidiano das pessoas e suas responsabilidades dentro da família, na gestão de uma empresa ou na atuação profissional pode ser encarada como uma boa justificativa para ignorarmos aqueles que por vontade própria ou único recurso de sobrevivência escolhem viver nas ruas, rechaçando padrões de vida e de relacionamentos pessoais e financeiros estabelecidos e aceitos pela maioria dos que trabalham ou apenas acumulam riquezas.

No entanto, a população e alguns meios de comunicação fazem com que a população tenda para um olhar superficial e preconceituoso com as pessoas em situação de rua e pedintes, de acordo com o doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e professor associado da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Luiz Augusto Passos, em entrevista ao Circuito concedida na instituição de ensino superior do Estado.

De acordo com ele as pessoas em situação de rua (antigamente chamadas de mendigos, sendo este um termo incorreto para tratamento delas) não são apenas fruto de um processo de marginalização “cruel” e “falta de políticas públicas” do Estado. Para o professor, é preciso ter um olhar diferente sobre a questão, que contemple esta perspectiva sob o ponto de vista “delas”, sublinha ele.

“É diferente encará-los sob a perspectiva de modelos preestabelecidos. Em vez disso, devemos questionar: quem são eles? Ouvir seus sonhos, desejos e perspectivas. Quando paramos para fazer essa análise, descobrimos que a realidade em que vivem na maior parte dos casos faz todo sentido”, analisa Passos.

Entretanto, não são apenas nós que temos certa tendência para tratar com reticência esses homens e mulheres que ocupam os centros urbanos, cidadãos imbuídos de direitos e deveres como qualquer outro, que parecem à margem até mesmo de uma singela atenção por parte dos outros. Até recentemente, a única pesquisa em nível nacional que tratava da população em situação de rua foi feita entre os anos de 2007 e 2008, envolvendo 71 cidades espalhadas pelo Brasil.

Outra pesquisa em caráter experimental começou a ser realizada em julho de 2014 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e está sendo feito estudo para incluir essa parcela da população no próximo censo demográfico nacional.

Solidariedade permeia relações

As pessoas que se encontram em situação de rua têm características diferentes da maioria – elas não têm caráter consumista e cultivam a solidariedade entre todos que se encontram em situação semelhante, de acordo com o pesquisador da UFMT. Ele sublinha que a violência da qual estão expostos advém de políticas de segurança repressivas e do preconceito do resto da população em aceitar indivíduos “fora do padrão”: “Eles cultivam a dimensão de cuidado mútuo e de sobrevivência de maneira sóbria. As pessoas em situação de rua não têm o consumismo que nos é característico para o tipo de sociedade que a gente vive”.

Passos diz ainda que há uma lógica perversa de imputar a essas pessoas todos os problemas de segurança que a sociedade enfrenta. O especialista em Movimentos Sociais e Educação faz uma comparação entre a atuação do cristianismo, que queimava mulheres na fogueira durante a Idade Média sob a acusação de “bruxaria” com a perseguição imposta a esses grupos nos dias de hoje: “É uma crise política e econômica semelhante à da Idade Média, em que se queimavam bruxas, imputava-se a responsabilidade social a apenas um setor que era marginalizado pela sociedade”.

“O que ganho pedindo dá só para o leite e o pão”

Cuiabá está entre as poucas cidades brasileiras que conseguem juntar resquícios de três biomas distintos – Amazônia, Cerrado e Pantanal – e também é lugar que reúne histórias de vida e de luta que se cruzam numa das capitais conhecidas pelo clima tropical e pela veia natural que ainda resiste na região metropolitana, atravessada pela riqueza histórica, cultural e ambiental do rio que leva o nome da capital mato-grossense.

Otair Aparecido Gonçalves, paulista de Votuporanga (cidade da região oeste do Estado de São Paulo) tem 68 anos e é um desses personagens que compõem a identidade do município. Sentado na entrada de um banco na Av. Getúlio Vargas, na capital, ao lado de uma placa pedindo dinheiro, e se locomovendo com a ajuda de uma muleta, ele lembra, com impaciência, quando foi presidente da Associação dos Idosos do Jardim das Flores, bairro que também reside atualmente em Várzea Grande. “Ajudei a aposentar muita gente”, orgulha-se.

Otair recebe salário mínimo do INSS, mas se queixa que é insuficiente para tratar seus problemas de saúde.

“Tenho epilepsia e quebrei a bacia quando me atropelaram na época em que era vendedor de picolé. O dinheiro que ganho pedindo aqui dá só uns R$ 10 ou R$ 15, só para comprar o pão e o leite mesmo. Eu também vendia flores no terminal de Várzea Grande, mas estou com medo porque um homem tentou me agredir recentemente lá”, conta ele.

 

Diego Fredericci

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