Cidades

Brasileiro que ajudou infectados com ebola relata dificuldades na África

 
"Esse menininho melhorou. Felizmente, não morreu. Na segunda semana que estava ali [no hospital], começou a comer, a ficar mais esperto. Quando já estava melhor, durante dois, três dias, ele ficou brincando de empurrar um pneu, sozinho, pela área de isolamento. Isso me emocionou, porque provava que a doença não existia mais nele. Era um pequeno sinal de que a vida continua para eles, para todos eles", relembra.
 
O médico, natural de Maringá, no norte do Paraná, fez especialização no Canadá e mora, atualmente, em New Jersey, nos Estados Unidos. Ele recebeu um e-mail disparado a vários profissionais do mundo pela Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio do qual havia um convite para se voluntariar a ir a África, para um trabalho especial de combate ao surto do ebola.
 
Interessado, ele inscreveu-se e, pouco tempo depois, foi convocado a ir a Kenema, terceira maior cidade de Serra Leoa, com cerca de 150 mil habitantes. "Não é um dos empregos mais procurados do mundo, né? Mas, eu não sou um aventureiro. Não fui lá para pegar ebola. Apesar do medo absolutamente justificável, a gente sabe muito bem o que fazer, quais são as barreiras que temos que por. Tenho certeza que, se eu seguir todas as recomendações, as chances serão mínimas", ressalta o médico.
 
A motivação, conta ele, foi humanitária. "Minha primeira motivação era de caráter humano. É uma tragédia humana, uma emergência médica. Eu queria ajudar. Sabia que esses sistemas de saúde, por lá, são muito próximos do mínimo [de estrutura] ou abaixo do mínimo. Tradicionalmente, as pessoas chegam ao hospital já bem doentes. Há muitas e muitas mortes, até de profissionais. Por isso, há sobrecarga no trabalho. Me parece uma hora boa para ajudar, não?"
 
O brasileiro diz que trabalhou durante 15 dias em um hospital com condições precárias, onde chegavam cerca dez novos pacientes com o ebola por dia. Em média, geralmente outras 50 pessoas já estavam deitados nas macas de madeira, desconfortáveis, com suspeita ou confirmação da doença era este número de africanos que Ferri cuidava por dia, durante as aproximadamente 3 horas por dia em que ficava dentro da área de isolamento.
 
Para ter contato com os infectados, era preciso vestir uma roupa especial, fechada dos pés à cabeça. Em alguns dias, os médicos passavam até 5 horas com o equipamento, o que causava muito desgaste físico, conforme o brasileiro."Em pouco minutos com aquela roupa, o nosso corpo chegava acima de 40 graus. Quando íamos para a área de isolamento, estávamos absolutamente focados no tratamento dos doentes. Ao sair, às vezes eu tirava um litro de suor de cada bota. A gente se reidratava, comia alguma coisa, e voltava para a enfermaria", narra.
 
Mortes dos profissionais locais
Ao desembarcar em Serra Leoa, Ferri ficou sabendo que, durante as três semanas anteriores, boa parte das enfermeiras locais haviam contraído o ebola 1/3 delas já haviam morrido, afirma o brasileiro. Outras sete estavam internadas, em estado terminal."Quando fui embora, pelo menos 2/3 delas [enfermeiras] tinham morrido. As que sobraram ficaram supercarregadas. Nós vamos trabalhar por algumas semanas, mas eles estão todo dia lá, vendo os colegas de trabalho morrerem, ficarem doentes. E, mesmo assim, toda manhã tem que retornar e entrar, de novo, na área de isolamento. Eles ficam, naturalmente, cansados, sobrecarregados e desmoralizados, dia após dia", afirma.
 
Dentro da operação em que estava, todas as mortes foram de profissionais nascidos em Serra Leoa, incluindo a do principal médico epidemiologista do país, o doutor Sheik Umar Khan."A contaminação de uma pessoa que está trabalhando na resposta ao ebola acontece por uma conjução de fatores, que incluem práticas de controle hospitalar inadequadas ou, simplesmente, o fato de você estar no lugar errado. É difícil saber, porque muitas pessoas podem ter sido contaminadas fora do local de trabalho. O ebola é implacável com os pequenos errinhos".
 
Transmissão por meio dos corpos
O vírus do ebola fica vivo, mesmo depois de a pessoa que o contraiu esteja morta, confirma o médico. Essa é uma das formas mais comuns de transmissão da doença na África, já que, por costume local, as pessoas têm contato muito próximo com o corpo durante o velório. O morto, afirma Ferri, sempre é lavado e sepultado pelos próprios familiares, em covas rudimentares. Não há caixão os corpos são enterrados enrolados em panos.
 
"Especificamente nessas comunidades [do oeste africano], as práticas culturais de sepultamento têm papel importante na cadeia de transmissão. As pessoas, geralmente, morrem muito sintomáticas. Então, estavam vomitando, com diarreia, sangramento. A possibilidade de ter contato com essas secreções, em momentos tão próximos como são os sepultamentos lá, é muito grande", explica.De acordo com o intensivista, em muitos casos, as famílias não sabem que os parentes morreram com o ebola, ignorando os cuidados para evitar a transmissão. "Existe uma grande vigilância do pessoal da OMS para tentar identificar essas famílias e as vítimas da doença. Em geral, entre 15% e 20% das pessoas que têm contato com um morto que teve o ebola também contrai o vírus".
 
Volta
Maurício Ferri planeja voltar para Serra Leoa no fim de setembro, caso o país ainda esteja com surto de ebola. Ele diz que vai se candidatar, novamente, ao voluntariado. "O ato de ir é uma informação de que o ebola pode ser controlado e evitado. Eu tenho interesse, já que agora faço parte de uma rede de profissionais que já trabalhou naquela região. Se precisarem de mim, seja em qual lugar for, eu vou estar pronto para ajudar".
 
G1

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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