Mais conhecido por seus trabalhos bastante densos, como “Hiroshima, Meu Amor” e “O Ano Passado em Marienbad”, nos últimos anos o diretor começou a fazer filmes mais leves e despojados, o que não se deve confundir com superficiais. Apenas parece que, com a idade, Resnais se tornara mais juvenil.
Pela terceira vez, o cineasta adapta uma peça do inglês Alan Ayckbourn (as outras duas são “Smoking/No Smoking” e “Medos Privados em Lugares Públicos”), e ao manter a estrutura teatral, busca outras formas de a retratar no cinema.
Um outro detalhe: os personagens ensaiam a montagem amadora de uma peça, que trata-se de “Relatively Speaking”, uma outra obra de sucesso do dramaturgo. Nesse filme, porém, o diferencial está especialmente nos cenários, minimalistas, nos quais paredes são substituídas por papéis.
O diretor também trabalha com o jogo de cena; a encenação que nos é sempre lembrada pela cenografia nada realista. No Festival de Berlim, em fevereiro passado, o diretor e seu longa receberam o prêmio da crítica internacional e o Alfred Bauer, outorgado a filmes que “abrem novas perspectivas para a arte cinematográfica”.
“Amar, Beber e Cantar” é sobre uma peça dentro do filme -ensaiada por um grupo de amigos– mas também sobre um tal de George Riley (sobre quem ouvimos muito, mas a quem nunca vemos). Ele está doente e tem no máximo 6 meses de vida.
O filme começa com o médico Colin (Hippolyte Girardot) deixando a notícia escapar para sua mulher, a espevitada Kathryn (Sabine Azéma), enquanto se preparam para ir ao ensaio da peça, na qual vão atuar sob a direção de Peggy Parker (outra personagem muito mencionada e nunca vista).
A notícia logo se espalha, e o casal Tamara (Caroline Sihol) e Jack (Michel Vuillermoz) – avisados por Kathryn – se desespera com a iminente morte do amigo, passando a demonizar Monica (Sandrine Kiberlain), ex-mulher de George, que agora vive com Simeon (André Dussollier).
A trama transita entre lembranças do grupo de personagens sobre George, planos para o futuro (com ou sem ele) e o pré e pós-ensaio da peça na qual alguma dessas pessoas atuarão.
É, enfim, um divagação sobre a vida e seus caminhos. Ao situar a trama no interior da Inglaterra, Ayckbourn e Resnais lidam com uma tradição antiga da literatura inglesa, estudada e nomeada pelo crítico Raymond Williams como “Comunidades Cognoscíveis”. Ou seja, um microcosmo autossuficiente, que em seus relacionamentos comunitários encerram a verdade sobre o mundo que os cercam, além de seus limites geográficos.
É nas crises, obviamente, que o dramaturgo e o cineasta encontram o material mais produtivo para “Amar, Beber e Cantar”.
A doença e George e sua morte num horizonte próximo são os catalisadores para as discussões entre o pequeno grupo e possíveis mudanças em suas vidas e relacionamentos.
Se tudo isso está no conteúdo, a forma denuncia acima de tudo como vivemos na era das ilusões, e que estas são estranhamente necessárias. A ausência de paredes nos cenários é a utopia dos personagens que vivem sob as regras de uma sociedade tão repressora quanto a inglesa.
“Amar, Beber e Cantar” é uma celebração da vida – que é a toda hora lembrada pela condição de George – e, como é comum na obra do diretor, o filme é de uma sutileza assustadora.
Parece apenas uma porção de gente falando (quase um teatro filmado) – e não deixa de ser – mas é uma porção de gente falando sobre as verdades e questionamentos da vida e da morte.
É curioso que Resnais deixe esse longa como seu testamento – ao mesmo tempo, é providencial, pois, não poderia haver obra melhor para sintetizar suas inquietações artísticas.
UOL