O problema, além de desrespeitar a legislação trabalhista, colabora para o aumento do índice de acidentes nas mal conservadas rodovias federais e estaduais. Em Mato Grosso, a situação não é diferente.
Segundo o presidente do Sindicato dos Motoristas Profissionais e Trabalhadores de Empresas de Transporte Terrestre de Cuiabá e Região, Ledevino Conceição, as poucas empresas que cumprem a legislação o fazem por força do contrato com os próprios motoristas.
“A maioria das empresas não cumpre a lei e as que cumprem é por causa do contrato com os profissionais. A lei está em vigor, mas a fiscalização é pouco efetiva, quase suspensa no nosso estado”, afirma o sindicalista.
Além disso, há o temor quanto à possibilidade de aplicação de multa, caso a Polícia Rodoviária Federal (PRF) flagre o desrespeito à legislação.
O problema é que raramente os motoristas são parados por esses casos. O senhor Marildo José Dequique, de 51 anos, conta que não cumpre a lei, pois precisa cumprir os prazos de entrega da mercadoria que transporta pelo Brasil. Mesmo assim, nunca foi autuado.
“Somos cobrados para cumprir o prazo. Então, mesmo com a lei em vigor há dois anos, eu nunca cumpri e nunca fui multado ou fiscalizado”. A PRF garante que há fiscalização e em caso de flagrante, além da multa, retém o veículo para que o motorista possa descansar no local.
De acordo com a Lei 12.619 de 2012 (conhecida como lei do descanso), a jornada diária do motorista profissional é de oito horas, com possibilidade de duas horas extras, totalizando então o máximo de dez horas.
A legislação em vigor ainda prevê que, nas viagens de longa distância, aquelas em que o motorista permanece fora de casa por mais de 24 horas, o profissional deverá fazer intervalo mínimo de descanso de 30 minutos a cada quatro horas ininterruptas de direção.
Ledevino lembra que a categoria precisa cumprir o horário por conta da pressão física e mental sobre os profissionais. “É uma profissão cansativa, física e emocionalmente. Os motoristas ficam dias longe da família, dormem pouco e estão sujeitos aos perigos das estradas, como buracos, outros motoristas imprudentes e também a violência, os assaltos e sequestros”, diz.
O Sindicato das Empresas Transportadoras de Carga de Mato Grosso (Sindmat), por sua vez, negou a afirmação de Ledevino. Segundo o advogado Roni Barbosa, que representa o Sindmat, as empresas estão obedecendo a legislação, embora cada empresa realize contratos diferentes com os servidores . “Nego veementemente. As empresas têm as suas formas de contratação, mas a legislação está sendo cumprida”, afirmou.
Lei impede cumprir prazos de entrega da mercadoria, afirmam motoristas
“Se a gente parar o caminhão, o Brasil para”. A afirmação é do caminhoneiro Guilherme Carlos, de 43 anos. Ele argumenta que é praticamente inviável seguir à risca a Lei do Descanso.
Há 12 anos percorrendo todo o país transportando alimentos perecíveis, o motorista defende a liberação da jornada.
“O certo seria o motorista começar às 5 horas da manhã e parar às 22 horas, o intervalo ele faz quando achar necessário, sem essa de quatro em quatro horas”. Na empresa em que ele trabalha a legislação só foi seguida nos primeiros dias após a sanção presidencial e consequente entrada em vigor. “Mas hoje, ninguém segue mais”, afirma.
Assim como Guilherme, os motoristas Juvenal Ruas, 49, e Valtenir Martins de Aquino, 48, dizem criticam a efetividade da jornada legal.
Ruas, que há trinta anos atua na profissão, diz que nenhum dos motoristas autônomos observa a lei, já que “fazem o próprio horário”. “Nós paramos para descansar dentro do nosso próprio horário. Às vezes, até antes de quatro horas seguidas de direção. Eu mesmo, de duas em duas horas faço uma parada ou outra”, afirma.
Aquino, por sua vez, lembra que não conseguiria cumprir os prazos para entregar a carga se seguisse a Lei do Descanso. “Uma viagem de Campo Grande a Cuiabá, que eu levo 12 horas para chegar, iria levar muito mais tempo. De Campo Grande a Porto Velho por exemplo, que fazemos em três dias, levaria um dia a mais”, afirma o profissional, que há 20 anos está percorre as estradas.
Congresso discute mudanças
Está em discussão no Congresso Nacional uma série de alterações na Lei 12.619, sancionada em 2012, que regulamenta a profissão e a jornada de trabalho dos motoristas profissionais. A reforma pretende flexibilizar a legislação e permitir que os motoristas possam aumentar tanto a carga horária obrigatória quanto as horas extras cumpridas durante uma viagem de longa distância.
Inicialmente, a Câmara dos Deputados propôs e aprovou o aumento do tempo máximo ao volante de 4 para 5,5 horas. Com a mudança, os profissionais ainda ficaram autorizados a realizarem até quatro horas extras e não apenas duas como anteriormente. A jornada de trabalho, porém, continuou limitada a oito horas. Somadas as oito horas com as quatro extras, a jornada máxima poderia chegar a 12 horas diárias.
De acordo com a proposta aprovada, a pausa obrigatória de 30 minutos deverá ser feita a cada 6 horas no volante. O tempo poderá ser fracionado, assim como o da direção, desde que o número de horas contínuas não passe de 5,5 horas. Atualmente, o tempo máximo de direção é de 4 horas contínuas.
Quando chegou ao Senado, novas alterações foram sugeridas e projeto foi duramente criticado. Os senadores resolveram manter a jornada máxima de trabalho em 10 horas, sendo permitidas apenas duas horas extras. Agora, a proposta voltou a ser discutida na Câmara até chegar a um consenso e poder ser sancionado.