Por Enrico Pierro
Além das uvas passas e dos boletos, o Natal é o lembrete de que sobreviver ao ano já é um milagre.
Todo ano chega dezembro e eu fico pensando como o Natal é uma data curiosa. Dizem que é tempo de paz, união, amor. E talvez seja. Mas, sinceramente, também é tempo de trânsito infernal, gente estressada no mercado brigando por uva passa como se fosse ouro, panetone que custa o olho da cara, e aquela cobrança silenciosa que paira no ar: “você está feliz o suficiente para o Natal?” como se fosse obrigatório apresentar um laudo de alegria na ceia.
A verdade é que eu nunca chego no Natal do jeito que imaginei em janeiro. Ninguém chega. A gente chega meio amassado, meio cansado, meio maltratado pela vida, tentando lembrar onde enfiou a alma no meio de tanta sobrevivência. Mas o Natal tem essa habilidade esquisita de fazer tudo parecer um pouco menos pesado. Talvez seja a comida. Talvez sejam as luzes. Talvez seja o oxigênio temperado com uma esperança provisória, dessas que vencem no dia 26.
O Natal sempre me pega desprevenido. É como se, no meio do caos, alguém apertasse um botão invisível e você, do nada, percebesse que está respirando melhor. Que está rindo de alguma bobagem. Que está pensando em quem você ama. Que está ali, presente, mesmo que presença nunca tenha sido exatamente seu talento.
Eu gosto do Natal porque ele não exige que a gente esteja inteiro. Ele só pede que a gente apareça. Com o que sobrou. Com o que a vida não conseguiu arrancar. Com as perdas, com os ganhos, com as saudades que a gente finge que superou, com os afetos que resistiram ao ano que tentou acabar com eles. Com a fé, a gigante, a minúscula ou aquela que a gente usa só para não enlouquecer de vez.
No fundo, o Natal é isso: um lembrete gentil (e um pouco irônico) de que ainda existe ternura possível no mundo. Uma chance de respirar antes da próxima batalha. Uma pausa honesta, sem filtros, sem maquiagem emocional, sem essa expectativa absurda de que tudo esteja funcionando. É só a gente, quem importa de verdade, uma mesa que pode ser simples ou exagerada, e uma noite que insiste em sussurrar: calma. Você chegou até aqui. E, considerando o ano que foi, isso é quase um milagre. E tem outra coisa que sempre me incomoda: todo mundo virou especialista em Natal. Cada um com sua tese, sua tradição, sua crítica pronta. Qualquer opinião vira campo minado; se você gosta demais, é brega; se não gosta, é ingrato; se comemora, está errado; se não comemora, mais errado ainda. É curioso como a gente consegue transformar até um feriado em um tribunal.
E, no meio desse ruído, a gente esquece o básico: essa data existe por causa de um aniversário. Ou, pelo menos, porque marcaram esse dia para isso, já que historicamente não bate muito com nada. E, mesmo assim, independente do calendário bagunçado, do debate histórico e da loucura comercial que engole tudo, a essência continua ali, pequena, quase tímida. A celebração de um nascimento. De um símbolo de esperança. De alguém que, acreditando você ou não, representa a ideia de que a luz existe, mesmo quando a vida insiste em parecer escura. E é engraçado como a gente consegue transformar até isso em disputa, quando talvez o Natal fosse justamente o lembrete contrário.
Então, se eu puder te desejar algo neste Natal, é isso: que você encontre um canto de paz no meio do barulho. Que você receba um abraço que realmente faça sentido. Que você coma algo gostoso sem lembrar do boleto de janeiro. Que você entenda, nem que seja por alguns minutos, que existir já é um esforço descomunal, e você fez isso o ano inteiro.
Feliz Natal.
Do jeito que der. Do jeito que você conseguir. Do jeito que for real para você.
@enricopierroofc




