Ana Catarina, a protagonista do delicado Livros Restantes, prepara-se para uma mudança radical de vida. Ela vai deixar a pequena comunidade em que mora, seus amores e seus familiares para morar em Portugal, sem data para voltar. Antes de ir, porém, ela quer devolver livros que ganhou, com dedicatórias especiais, àqueles que a presentearam – e é essa jornada entre passado e presente que carrega o filme estrelado por Denise Fraga, que chega agora aos cinemas.
A ideia da história veio à roteirista e diretora Marcia Paraiso em um sonho, muito ligado à relação com seus livros. Dona de uma “biblioteca considerável”, ela tinha muita dificuldade de abrir mão de seus livros, especialmente aqueles com dedicatórias, que ela bem define como “livros pessoas”.
“Eles marcam um período que a gente viveu e a relação que a gente tinha com aquela pessoa, naquele momento; e muitas vezes a gente não recupera aquela relação, porque o tempo passou, a gente se transformou e a pessoa também”, diz a cineasta, em conversa com o Estadão. “Quando a gente vai envelhecendo, fica ainda mais forte a preciosidade que é ter essas dedicatórias dessas pessoas nos livros.”
Denise Fraga se encantou com a premissa e fez um “malabarismo” para poder estar no filme, já que tem, também, uma relação próxima com a literatura. “Acho que todos nós que lemos somos o que lemos. Os livros que eu li são de extrema importância em minha vida.”
Um deles, que ela carrega, “todo ferradinho”, dentro da bolsa é Sonho Manifesto, de Sidarta Ribeiro. “É uma Bíblia para o nosso tempo”, diz a atriz, também fã de Valter Hugo Mãe, Clarice Lispector, Machado de Assis e do historiador holandês Rutger Bregman. “Ele tem uma visão otimista da humanidade que acho muito necessária nesta época.” Denise achou bonita a forma como Ana Catarina faz “um inventário de si mesma” em Livros Restantes. “Ela vai entender quem ela é, para poder seguir com tudo o que ela pode ser”, explica.
Envelhecer
A personagem faz parte de um rol tímido, mas crescente, de protagonistas com mais de 50 anos, que refletem novas perspectivas do envelhecer e da vida na maturidade. Só neste ano, personagens 50+ estiveram à frente de produções como O Último Azul, premiado no Festival de Berlim, Sonhar com Leões, estrelado pela própria Denise, e Sexa, estreia de Glória Pires na direção, que agora entra em cartaz. Denise vê que se aproxima uma realidade em que o envelhecimento não é mais encarado como o fim das possibilidades e novidades. “As mulheres estão mais protagonistas de suas vidas. As pessoas estão se reeditando, se reinaugurando – eu adoro essa palavra. O filme fala desse entendimento de que a sua vida está começando a qualquer momento, e que hoje pode ser o primeiro dia do resto da sua vida. Isso acontece não só no cinema, mas aí na vida real também. É o que eu falo, quem estaria cuidando dos netos hoje está indo para a balada com os filhos.”
Para Marcia, surge então a necessidade de se oferecer opções ao público 50+, frequentemente ignorado pelo mercado. A cineasta conta que, ao visitar cinemas de rua no interior de Santa Catarina, notou que a maior parte dos títulos em exibição era de terror ou de animações infantis. “Há com certeza um espaço vazio. Muitas mulheres deixaram de ir ao cinema porque não querem ver nem filme de terror nem animação infantil.”
“Os cinemas têm de oferecer um produto para plateias mais velhas. É uma questão de respeitar esse público e de compreender o potencial imenso que as salas estão perdendo”, afirma a diretora.
Para Denise Fraga, a maturidade traz também novos caminhos para a sua carreira. “Eu sinto hoje uma consciência. Essas rugas têm de servir para alguma coisa”, diz, rindo. “A vida não é bolinho, mas é rica para caramba. Existem muitas alternativas.”
O ator Augusto Madeira, que em Livros Restantes dá vida ao ex-marido de Ana Catarina e está no ar na novela Três Graças, diz que vem sentindo uma urgência maior quando escolhe seus projetos. “Eu não tenho mais tanto tempo para fazer tudo o que eu quero.”
Em acordo com o colega, Denise diz que, hoje, aceita até ganhar menos para priorizar os projetos que realmente lhe interessam. “Aprendi com a maturidade que é preciso deixar de ser escrava do ‘ganha ganha ganha’ para pôr rédea na sua vida. Porque, muitas vezes, atendendo às demandas, você vai para lugares que nos dão uma vida menos interessante. Há riquezas que não são monetárias, que não são monetizadas. É preciso sempre ter um dinheirinho ali para você conseguir dizer não e poder fazer suas escolhas”, conclui.



