Está sendo noticiado que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, pretende discutir a possibilidade de implantação de um código de conduta para ministros dos tribunais superiores. Segundo informações da imprensa, os estudos estão sendo feitos desde a sua posse e a inspiração seria o código de conduta do Tribunal Constitucional da Alemanha. Essa realmente é uma belíssima inspiração, resta saber se haverá vontade política interna para que isso ocorra, afinal de contas a ética judicial na Alemanha, por suas nuances germânicas, faz com que a sua magistratura seja reconhecida internacionalmente por sua sólida tradição de independência, responsabilidade institucional e rigor ético.
É certo que, embora a Alemanha não adote um código de conduta unificado nos moldes de outras jurisdições, os princípios normativos estabelecidos na Deutsches Richtergesetz (DRiG) e as diretrizes éticas da Deutscher Richterbund (DRB) formam um conjunto consistente de regras e valores que orientam o comportamento dos juízes. Sintetizados, eles podem se tornar uma fórmula sistematizada, diga-se assim, para compor um pequeno código de conduta que reflete o ethos da magistratura alemã contemporânea.
Com efeito, a pedra angular do sistema judicial alemão é a independência judicial, garantida constitucionalmente e reforçada na legislação infraconstitucional. O juiz, ao exercer sua função, está vinculado exclusivamente à lei, à Constituição (Grundgesetz) e à própria consciência jurídica. Nenhuma instituição, autoridade pública ou figura política tem o poder de orientar, sugerir ou interferir no conteúdo de suas decisões. Esse princípio assegura a imparcialidade e protege o processo decisório contra as pressões externas, sejam elas governamentais, econômicas ou sociais. Trata-se de um dos pilares mais fortes da legitimidade democrática do Judiciário alemão, concebido como um poder técnico e livre de influências indevidas.
O ingresso na magistratura alemã é marcado por um juramento formal, previsto no §38 da Deutsches Richtergesetz (DRiG). Ao assumi-lo, o juiz compromete-se a atuar com fidelidade à Constituição, aplicar as leis com imparcialidade e decidir sempre com justiça para todos, sem distinções, preferências ou preconceitos. Esse juramento não é meramente simbólico; ele estabelece uma obrigação ética duradoura, que acompanha o juiz em toda sua carreira e orienta sua atuação diária. Integridade e responsabilidade são, portanto, elementos essenciais desse compromisso público, refletindo a expectativa social de confiança e retidão moral.
Na conduta pessoal e profissional é preciso que o juiz alemão preserve a imagem da magistratura. O §39 da Deutsches Richtergesetz (DRiG) amplia o espectro das obrigações judiciais para além do ambiente forense, pois não se é juiz apenas no fórum ou no tribunal. O juiz, enquanto representante de um poder essencial do Estado, deve comportar-se de modo a preservar a confiança pública em sua imparcialidade, tanto durante o exercício da função quanto em sua vida pessoal. Isso inclui evitar comportamentos que possam sugerir parcialidade, favorecer interesses privados ou gerar dúvida sobre sua neutralidade. Além disso, exige-se moderação e prudência em manifestações políticas, sobretudo aquelas públicas ou de caráter partidário. Integridade, honestidade, discrição e confiabilidade compõem o núcleo da conduta esperada do magistrado, que deve zelar constantemente pela dignidade do cargo que ocupa.
Por sua vez, o juiz alemão tem o dever de declaração do ideal de imparcialidade, fundamental para o Estado de Direito, que lhe impõe o dever de abster-se de atuar em processos nos quais existam motivos que possam comprometer sua neutralidade. Conflitos de interesse, laços pessoais, relações profissionais anteriores ou qualquer circunstância que gere dúvida objetiva exigem afastamento voluntário. Em complemento, espera-se que o juiz declare espontaneamente situações que possam levantar suspeitas, reforçando a transparência e a confiança no processo judicial.
Deve haver de sua parte como agente político incumbido de dizer o direito no caso concreto a garantia da integridade processual, com o dever de sigilo que é absoluto e vitalício, abrangendo as informações processuais sensíveis, dados pessoais, segredos profissionais e, especialmente, as deliberações internas do juízo ou tribunal. Esse compromisso protege as partes envolvidas, preserva a integridade dos debates judiciais e garante que decisões sejam tomadas com liberdade, sem receio de exposição pública. A quebra desse sigilo constitui grave violação ética e funcional.
Ademais, a legislação alemã estabelece limites rigorosos às atividades exercidas por juízes, com o objetivo de impedir situações que possam comprometer sua independência. Segundo a Deutsches Richtergesetz (DRiG), o magistrado não pode acumular a função judicial com cargos legislativos ou executivos, tampouco exercer atividades profissionais que gerem conflito com o cargo, como a advocacia. É igualmente vedado receber vantagens, presentes ou benefícios que possam sugerir favorecimento. Atividades secundárias remuneradas dependem de autorização e só são permitidas quando não afetarem a imparcialidade, a disponibilidade e a credibilidade do magistrado.
Além das exigências éticas, espera-se que o juiz germânico atue com elevado padrão profissional superior, implicando essa qualificação em decidir de forma fundamentada, buscar constante atualização jurídica e manter eficiência no andamento dos processos. A morosidade injustificada ou a negligência na análise das causas podem comprometer direitos e corroer a confiança no sistema, razão pela qual o dever de laboriosidade é central na ética judicial alemã.
Nas relações institucionais, a postura ética no ambiente forense jamais pode ser esquecida e o comportamento dele no contato com partes, advogados, servidores e colegas deve refletir dignidade, urbanidade e equilíbrio. A igualdade de tratamento é um princípio essencial, e qualquer indício de hostilidade, favorecimento ou animosidade velada é eticamente reprovável. O ambiente forense deve ser pautado pela cordialidade profissional e pelo respeito mútuo, contribuindo para o bom funcionamento da justiça.
Outro ponto é a atuação pública e o uso de mídias sociais, pois numa era marcada pela exposição pública e pelo uso massivo de redes sociais, espera-se do juiz alemão prudência redobrada. Ele deve evitar envolvimento midiático que comprometa sua neutralidade, bem como abster-se de comentar processos em andamento ou emitir opiniões que indiquem predisposição sobre temas sensíveis. A reserva e a discrição são valores essenciais para preservar a confiança pública na instituição.
Sobre a responsabilidade e sanções ao julgador alemão, embora a independência judicial seja amplamente protegida, a Deutsches Richtergesetz (DRiG) prevê mecanismos disciplinares para lidar com violações éticas e funcionais. As sanções podem incluir advertência, multa, remoção do cargo ou aposentadoria compulsória, sempre aplicadas com cautela e respeito ao devido processo legal. O objetivo não é punir de forma arbitrária, pois é garantido o contraditório e ampla defesa em todo o processo, mas sim preservar a integridade do sistema e a confiança da sociedade.
Como se pode observar, o conjunto de normas e princípios éticos que orienta a magistratura alemã demonstra um equilíbrio cuidadosamente construído entre independência, responsabilidade e transparência. A ausência de um código único e rígido não implica ausência de regras, mas, ao contrário, a ética judicial é estruturada de maneira sofisticada, combinando legislação formal, tradição institucional e valores compartilhados. O resultado é um modelo robusto, capaz de sustentar uma justiça confiável, imparcial e alinhada aos preceitos democráticos.
Em síntese, embora os juízes brasileiros possuam preparo intelectual e técnico suficientes para assimilar um código de conduta semelhante ao modelo alemão, a plena implementação desse padrão enfrenta vários obstáculos que transcendem a capacidade individual da magistratura. O ambiente político polarizado, a forte pressão social e midiática, a cultura de protagonismo judicial, o sistema de controle mais centralizado e a elevada carga processual criam condições institucionais distintas das encontradas na Alemanha.
Portanto, para que um modelo de inspiração alemã possa funcionar integralmente no Brasil, seriam necessárias transformações estruturais e culturais no sistema de justiça, e não apenas ajustes com imposições de condutas aos magistrados, até porque já possuímos o Código de Ética da Magistratura Nacional do Brasil, instituído pela Resolução nº 60/2008 do Conselho Nacional de Justiça.


