Advogados judeus que representavam o Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), rescindiram o contrato, após críticas da entidade contra uma palestra na instituição de ensino apresentada pelo presidente da ONG Stand With Us, o cientista político judeu André Lajst. Como o Estadão mostrou, o evento, em 17 de novembro, foi marcado por protesto e tumulto.
O protesto foi convocado pela gestão 2024-2025 do Centro Acadêmico. Em uma publicação nas redes sociais no começo de novembro, a entidade declarou “repúdio à presença de sionistas nas Arcadas”. Disse ainda que a instituição não pode “servir de palco para difusão de discursos que legitimam a ocupação, o colonialismo e a limpeza étnica”. O post foi deletado.
A nova gestão do Centro Acadêmico assumiu nessa segunda, 1º. Devido ao fim do mandato, a presidente da administração anterior não quis se manifestar. A reportagem procurou a atual gerência, mas ainda não teve retorno.
O escritório Krakowiak Advogados, de Leo e Ricardo Krakowiak, representava a entidade em ações tributárias. Os serviços eram oferecidos gratuitamente, por eles serem ex-alunos da faculdade.
“Como antigos alunos de Direito da USP, sempre consideramos fundamentais o direito à liberdade de expressão e o amplo debate de ideias, valores que no passado sempre foram bandeiras pelas quais lutou o Centro Acadêmico XI de Agosto, que até recentemente também por esse motivo sentíamo-nos honrados em poder representar como advogados, pro-bono”, escreveram os advogados em carta sobre a rescisão.
Eles apontaram “perplexidade e absoluta indignação” com a nota da entidade estudantil contra André Lajst, afirmando haver “antissemitismo”. “Absolutamente nada justifica a tentativa de impedir a presença de um cientista político a um debate de ideias”, defendem.
Lembre como foi o protesto durante a palestra de André Lajst
A palestra sobre o conflito entre palestinos e israelenses foi realizada em 17 de novembro. Alunos da Faculdade de Direito e ativistas pró-Palestina protestaram contra a presença de André Lajst na instituição.
Em meio a gritos de “genocida”, os manifestantes tumultuaram a fala de Lajst. “Não se escuta genocida”, gritou uma aluna. “Você não é bem-vindo nessa universidade”, continuou ela. “A gente não debate com opressor”, completou outro aluno. “Vocês matam os palestinos”, disse uma ativista pró-Palestina que não estuda na universidade.
Apoiadores de Israel criticaram a manifestação e defenderam Lajst. Houve bate-boca e troca de ofensas entre os grupos.
“Eu não sou a favor de genocídio nenhum”, rebateu Lajst. “O que vocês estão fazendo aqui é interrompendo o Estado Democrático de Direito.”
O diretor da Faculdade de Direito, Celso Campilongo, criticou o tumulto. “Eu admito protesto, eu admito bandeiras. Eu admito o que quiserem, exceto uma coisa: que impeçam o palestrante de falar. Estou aqui há 20 minutos e não consegui ouvir ele falar. Quem não quiser ouvi-lo, não precisa ficar”, afirmou o diretor. “Não tem diálogo? Essa é a postura democrática?”
Organizadora da palestra, a professora de Direito Internacional da faculdade Maristela Basso encerrou o encontro sem abrir para perguntas do público por causa do tumulto. “Não há diálogo, não há respeito”, justificou.
Maristela afirmou ao Estadão que, em eventos anteriores desse mesmo ciclo de debates, também foram convidados palestrantes pró-Palestina. “A ideia não era ter um contraponto Palestina-Israel hoje. Nos encontros anteriores, examinamos o Oriente Médio sob outras perspectivas, inclusive da Palestina. Hoje era para examinar do ponto de vista de Israel.”
Depois do encerramento do evento, o diretor Celso Campilongo destacou que já foram realizadas mais de uma palestra com palestinos na universidade, mas “da perspectiva judaica talvez esse tenha sido o primeiro”. “Como diretor da faculdade, tenho que garantir um tipo de liberdade constitucional, que é a liberdade de cátedra. A liberdade de cátedra implica pluralismo de ideias. O sujeito pode falar um monte de bobagem, eu não concordo com nada do que ele está dizendo, mas, na universidade, se eu não garantir este espaço, eu vou garantir onde? Então isso me entristece, me aborrece profundamente.”
“Só houve bate-boca. Foi uma estratégia clara de impedir que o André falasse. Cada hora que ele começava, vinha vaia, vinha coro, vinha protesto, vinha pergunta, vinha interrupção, não deixaram ele falar. Isso não é legal. Fazer um protesto erguendo uma bandeira, uma faixa, acho mais do que justificado. Agora, não deixar o convidado falar, eu acho muito feio”, completou o diretor.



