Opinião Renato Paiva

Ranheta, ranzinza e rabugento

Nem todos concordam, mas o mundo está melhorando. Nos últimos 50 anos— dos
quase 80 que já vivi — a sociedade evoluiu muito, principalmente nos relacionamentos
pessoais, no cuidado com o ambiente e no apreço aos animais.

Neste período, as mulheres conquistaram relevância e respeito e hoje disputam com
os homens cargos públicos, vagas nas universidades e posições de mando nas
empresas particulares. Mas ainda sofrem com a execrável violência masculina.

Nos primeiros 40 anos deste meio século em que me baseio, havia muita
discriminação, os próprios evangélicos, chamados na época de protestantes, que eram
menos de 10% da população, não tinham o status atual. Agora são um terço dos
habitantes e consolidaram sua posição social.

As religiões de origem africana ainda são vistas meio de esguelha pelas maiorias,
principalmente por evangélicos que já passaram por isto. Elas estão lentamente
conquistando seu espaço, mas ainda têm idiotas que vandalizam os terreiros.

Homossexuais saíram definitivamente do “armário”, como eles mesmos dizem, e se
orgulham das opções que assumiram. A sociedade convive normalmente com eles,
embora ainda apareça aqui e ali algum ato de desrespeito. Estes atos isolados são
considerados pela maioria como atraso civilizatório.

Nossa lista continua: os negros (tecnicamente englobando pretos e pardos) sofreram
longamente um processo de desmerecimento. Hoje não são distinguidos dos brancos e
estão desenvoltamente em todos os ambientes sociais. Tem espaço para crescer mais,
e eles vão ocupá-lo.

No trânsito, os pedestres, antes açoitados por buzinas estridentes quando ousavam
entrar nas vias onde os carros reinavam, agora passam a ser respeitados e contam com
faixas seguras nas vias públicas.

As cidades que eram emporcalhadas por lixo jogado nas ruas passaram a ser mais
respeitadas. Acabaram os abusos dos candidatos que jogavam santinhos nas ruas,
colavam cartazes nas paredes ou muros e escreviam seus slogans e nomes em
qualquer lugar, mesmo nas propriedades particulares.

Também houve um extraordinário avanço no trato com os animais. Dentre eles, os
pets atingiram um status nunca antes imaginado. Mas igualmente os de criação
comercial passaram a ser tratados com muito mais humanidade.

Deixo por último um detalhe que, se colocado no primeiro parágrafo, poderia fazer
muitos leitores desistirem do texto. Refiro-me à posição das crianças nas sociedades
modernas. Parece que os pais, no desejo de corrigir os maus tratos que a gurizada
sofria no passado, erraram o tom e pegaram duas oitavas acima.

O ideal seria dar o respeito e o carinho necessários sem abdicar da necessária
autoridade para o crescimento saudável dos filhos. Entretanto, muitos se infantilizaram e passaram a se culpar quando é necessário corrigir comportamentos inoportunos.

Há 50 anos, era corriqueiro e considerado normal o castigo físico para as crianças. Vi
muito disto, mas sempre achei grotesco e constrangedor. Felizmente, este costume
está quase extinto, só falta agora restaurar, sem violência, a hierarquia do lar.

Os dois últimos parágrafos são, seguramente, implicâncias de velho ranheta. Mas
vocês, leitores jovens, não sabem o que é isso, porque faz 50 anos que ninguém usa
esta palavra. Vou dar uma ajuda: é o mesmo que ranzinza e rabugento. Agora sim ficou
claro, não é mesmo?

Renato de Paiva Pereira.

Foto: Reprodução/Divulgação

Renato Paiva

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