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Comer, Rezar e Amar: O Silêncio que Cura o Desejo de Ser

Há filmes que não apenas contam uma história, mas acendem luzes dentro da alma. Comer, Rezar e Amar é um desses. Dirigido por Ryan Murphy e inspirado na obra autobiográfica de Elizabeth Gilbert, o filme convida o espectador a atravessar, junto com a protagonista (vivida com doçura e verdade por Julia Roberts), os labirintos da busca por si mesma, e essa viagem que não se faz com malas, mas com coragem. 

Elizabeth, ou Liz, é uma mulher que, à primeira vista, possui tudo o que o mundo aplaude: um casamento estável, uma casa bonita, uma carreira de sucesso. Mas o brilho da aparência não ilumina o vazio que a habita. Ela percebe que viveu muito para os outros e pouco para si. É então que decide partir, não em fuga, mas em direção à própria essência. Itália, Índia e Bali tornam-se não destinos turísticos, mas etapas simbólicas de um renascimento. 

Na Itália, Liz reaprende o prazer do simples. Comer, aqui, não é gula, é comunhão. É saborear a vida sem culpa. Entre massas e risos, ela redescobre o direito de estar presente, de sentir o gosto das coisas sem pressa. A fotografia dessa parte é cálida, vibrante, um banquete de luz e cor. A câmera passeia entre mesas, ruas e rostos com uma doçura quase tátil, como se o próprio filme nos convidasse a sentar à mesa e provar a leveza de existir. 

Na Índia, a viagem muda de tom. O cenário, antes ensolarado, mergulha em introspecção. A fotografia se torna mais contida, quase mística. O som dos sinos e dos cânticos sagrados pontua o silêncio interior que Liz começa a enfrentar. Aqui, ela não busca mais o prazer, mas a paz. Aprende que rezar não é pedir, é escutar. Que fé não é crença cega, mas entrega serena. E ao mesmo tempo, descobre que o perdão, especialmente o perdão a si mesma, é o mais longo e necessário dos caminhos. 

Em Bali, o amor retorna, não como um resgate, mas como consequência. Ao conhecer Felipe (Javier Bardem), Liz encontra um amor diferente: maduro, calmo, honesto. Um amor que não exige ser metade de ninguém, mas que se soma a uma inteireza recém-conquistada. É um amor que não vem para preencher um vazio, mas para compartilhar plenitude. 

Tecnicamente, o filme é uma delicada sinfonia visual. A direção de Ryan Murphy é sóbria, sem pressa, respeitando o ritmo da jornada interior. A trilha sonora alterna entre o sagrado e o mundano — entre guitarras e mantras — criando um equilíbrio sonoro que traduz perfeitamente a busca da protagonista. A montagem é suave, fluida, conduzindo o espectador como quem folheia um diário. 

Mas o verdadeiro mérito do filme está em não idealizar a felicidade. Comer, Rezar e Amar não promete que o autoconhecimento seja um destino; mostra que é um processo. Que há dias em que a alma se cala e dias em que ela canta. Que o amor, a fé e o prazer não são opostos, mas partes de um mesmo gesto: o de acolher a vida em toda a sua imperfeição. 

Ao fim, Liz não volta para o ponto de partida, porque quem encontra a si mesmo nunca volta igual. E o público, que a acompanha nessa travessia, sai do cinema com a mesma sensação: a de que, antes de buscar o amor do outro, é preciso aprender a amar a própria companhia. 

Comer, Rezar e Amar é mais que um filme, é um convite. Um lembrete de que a vida não é uma linha reta, mas um círculo de aprendizados. E que talvez o verdadeiro milagre não esteja em encontrar o amor, mas em descobrir que ele sempre esteve ali, quieto, à espera de um coração disposto a ouvi-lo. 

Vale a pena assistir

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial. @aeternalente

Foto Capa: Reprodução/Divulgação

Olinda Altomare

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Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

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