Quer dizer, Marcão sabe o que é ser campeão do mundo e conhece como poucos o treinador que tenta fazer isso novamente com a Seleção no Brasil 2014. Foi sobre isso, então, que batemos esse longo papo com o ex-goleiro de 40 anos:
FIFA.com: De maneira geral, quais são suas expectativas para a Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014: acha que a Seleção, de fato, está entre as favoritas? Junto a quais outras equipes?
Marcos: A expectativa é de uma grande festa, de uma festa bonita como é toda Copa do Mundo. O Brasil é uma das seleções favoritas, principalmente por jogar em casa. A gente sabe a diferença de jogar dentro de casa e fora de casa. E a presença do torcedor é superimportante para a Seleção, joga a pressão pra cima do adversário. Acho que, junto com Argentina, Alemanha e Espanha, o Brasil é um dos grandes candidatos a ganhar a Copa. Acho que temos uma pequena vantagem por isso: por estar jogando em casa e ter o apoio do torcedor.
Você sente que o clima de apoio à seleção tende a aumentar nos próximos dias?
Acho que sim. Já ficou demonstrado na Copa das Confederações. A comoção interna dentro do estádio para ajudar a seleção, na hora do Hino Nacional, e a gente espera que na Copa do Mundo seja da mesma forma. Acho que o brasileiro demora um pouco para entrar na festa. Com o Tour da Taça pelo Brasil, com a convocação do Felipão e, daqui a pouco, as grandes seleções mundiais chegando, grandes jogadores chegando, o povo brasileiro vai entrar no clima e aproveitar bastante a Copa.
Muita gente se surpreendeu ao ver como o Felipão, em tão pouco tempo, conseguiu determinar um padrão de jogo – e um padrão eficiente – para a Seleção. Você, que o conhece tão bem, já esperava isso?
É bem o estilo dele mesmo. Pra te falar a verdade, acho que esse grupo dele já está fechado faz tempo. Acho que um ou dois nomes surgiram nos últimos dias. Ele é um cara que valoriza muito quem o ajuda. Quando ele pegou essa seleção no ano passado ela estava desacreditada e os jogadores correram muito por ele e conseguiram vencer a Copa das Confederações, e ele também é grato pelo que o pessoal faz por ele. Então, eu sabia que a maioria daquele grupo ia estar na Copa, por causa da Copa das Confederações que fizeram. O Felipão é um cara assim: ele dá entrevista e você acredita no que ele fala. Ele é um cara que passa essa honestidade para o torcedor. E acho que o povo brasileiro gosta disso, por isso que ninguém questiona muito. Claro que questiona, porque o técnico da Seleção é sempre questionado. Mas o povo apoia junto com ele. Acho que isso é a melhor parte dele como técnico da Seleção.
É bem marcante como as equipes comandadas pelo Felipão tendem a crescer muito quando ele tem alguns dias para prepará-las, como é o caso de uma Copa do Mundo. Por que isso acontece?
Ele faz de tudo. Chega no treino ele te xinga, depois de noite ele faz um churrasco, está zoando com todo mundo, fazendo piada… Ele é um cara que alterna muito o lado profissional com o lado humano, de bater papo com jogador. O jogador acha legal isso. É aquele negócio, ‘pô, ele é o cara ali nas quatro linhas e depois o cara fica que nem a gente’. É claro que a gente não abusa disso, porque ele é meio bravo… (risos) Mas ele é um cara que faz isso muito bem. Então eu acredito que ele vai fazer muita coisa. Ele sempre procura levar outros atletas pra dar palestra para os jogadores. Na Copa das Confederações eu fui lá pra bater papo, jogar conversa fora com o pessoal, ficamos lá duas horas conversando. Então ele movimenta bastante a concentração e sabe instigar na hora de entrar dentro de campo. É o treinador ideal para esse tipo de competição de sete jogos.
O que ele pediu pra você falar aos jogadores na Copa das Confederações? Algum pedido específico ou foi apenas um convite?
Não, ele só me convidou pra jantar com ele e a comissão. Porque a comissão é o Paulo Paixão, que trabalhou no Palmeiras, Murtosa que está sempre com ele e trabalhou no Palmeiras, Anselmo, que é o preparador físico, que era do Palmeiras, e o Pracidelli, que foi meu treinador de goleiros durante 13 anos. Então ele convidou, “vem aqui jantar com a gente”. Eu fui, os jogadores estavam lá. Comi com o pessoal da comissão técnica e o pessoal me chamou pra sentar com eles. Fiquei contando umas histórias. Eu sou bom pra contar histórias, tenho umas boas. Preciso renovar elas, porque tem algumas que estão desgastadas, mas tem umas histórias boas (risos). Também levei uma camiseta pra pegar a assinatura de todo mundo, levei pra casa. Foi uma visita bacana.
Já que você tem boas histórias, tem alguma boa do Felipão daquela Copa de 2002?
Olha, eu lembro do tratamento em si. Claro que quando você chega na Seleção, você sabe mais ou menos o seu valor em termos mundiais. Aquele jogador que joga no Brasil chega mais retraído do que um jogador internacionalmente conhecido, que já foi melhor do mundo. E ele, na Copa de 2002, tratava todo mundo igual da mesma forma. Com ele não havia privilégios, nunca houve, por nome, condição social ou nada. Eu acho que isso é legal pra você montar um grupo. Pra ter um grupo coeso é preciso tratar todo mundo da mesma forma. Então, talvez a grande responsabilidade dele no Mundial tenha sido isso: fazer os caras ficarem 50 dias juntos sem ter nenhum problema por vaidade ou alguma coisa assim. Então nisso ele foi fundamental também pra gente.
Você acha, portanto, que é fundamental que um grupo crie vínculos de amizade para vencer uma Copa do Mundo?
Ah, favorece muito. Acho que, dos times em que eu tive oportunidade de jogar e que foram campeões, todos eram assim. Se você está no campo e não gosta de um cara, você não vai fazer algo por ele. Se é seu amigo que está do seu lado, você faz. “Poxa, meu amigo errou e se acontecer alguma coisa vão culpá-lo”, então você faz melhor. Claro que você não está ali pra isso, para fazer amizade, mas eu acho amizade fundamental para atingir conquistas. Se tem raiva, briga, dentro do grupo, só se seu time for muito bom. Muito melhor que os outros. Porque senão a amizade faz diferença no final. Você pode ganhar um jogo ou outro, mas um campeonato você só ganhar se tiver amizade.
Como você avalia os goleiros que o Brasil tem à disposição hoje? Acha que estamos bem servidos?
Acho que estamos bem servido em termos de clube. Porque o Julio não teve muita concorrência na Seleção – de goleiros que tenham tido chance de se acostumarem a vestir a camisa. Talvez essa seja a grande vantagem que ele tem em relação aos outros: esse costume de vestir a camisa da Seleção. Não é um cara que vai chegar aqui e jogar no Brasil, vai pôr a camisa e vai pesar. Eu te falo por experiência própria: é diferente você ser ídolo no seu clube e chegar à Seleção. Porque aí a cobrança é bem maior, não é regional, nem estadual, é nacional. E na Copa, mundial! Então eu acho que o Julio está preparado para essa cobrança e tem experiência pra isso.
Você era um cara de confiança do Felipão em 2002 – e, provavelmente, isso foi decisivo na disputa com outros dois grandes goleiros em plena forma, o Rogério e o Dida. Como foi o processo para que você fosse o escolhido?
Eu estava jogando já nas eliminatórias. Quando ele assumiu a Seleção, ele me colocou para jogar. Eu falei, “professor, têm uns caras que estão num melhor momento que eu aí”. Eu acho que eu tive a felicidade de ser titular pelo convívio, né? Quando você convive com uma pessoa, é diferente. Às vezes você vê o cara jogando num outro time e você sabe que o cara é bom, mas você não conhece o caráter do cara, como ele é no treino, como ele é de grupo… São vários fatores, não é só o cara jogar bem. Então, talvez tenha pesado pra mim isso aí, o fato de eu ter trabalhado com ele e ele me conhecer em todos os sentidos. Quando ele chegou, a Seleção estava com dificuldade de se classificar para a Copa do Mundo. Meu jogo de estreia com a Seleção, ainda com o Vanderlei (Luxemburgo), foi na Espanha contra a Espanha. Logo depois que ele assumiu foi contra o Uruguai no Uruguai, Argentina na Argentina… Eu só peguei “barca”. E, pelo fato de o Brasil ter se classificado, ele falou pra mim, “agora nós vamos pra Copa e você vai ser o titular. A gente pode perder que você vai ser o cara”. Eu trabalhei bastante para não decepcioná-lo.
Você se sente realizado com sua carreira na seleção? Ou faltou algo?
Eu tive muito problema de contusão. Em 2006, o Parreira me ligou dez dias antes da convocação. Eu tive uma contusão no adutor e perdi praticamente o ano todo. O Parreira me ligou e eu disse, “professor, não vai dar”. Talvez a Copa de 2006 eu poderia ter tido a oportunidade de ir. Não sei se de jogar, porque o Dida era o titular, mas de segundo ou terceiro goleiro. Em 2010 também: um ano antes da Copa, o Dunga perguntou o que eu achava de Seleção, e eu falei com ele que meu tempo tinha acabado. Eu estava com um monte de problema, com joelho machucado, cheio de dor pra tudo que é lado. Falei: “vou encarar uma Seleção de novo?” Porque Seleção é uma responsabilidade muito grande. Então, talvez se eu não tivesse tido tantas contusões, poderia ter participado de mais Copas, mas não tenho nada a reclamar da carreira, não.
E, pensando em todo o mundo, quem são, para você, os melhores goleiros? Do que você gosta em cada um deles?
Eu gosto muito do (Manuel) Neuer, goleiro da Alemanha. O (Petr) Cech não vem para a Copa, mas acho que também é um grande goleiro. (Iker) Casillas, que é um bom goleiro, mas eu acho que o pessoal dá muito mais moral porque joga num time como o Real Madrid. A gente vê também o (Gianluigi) Buffon, que é outro que não tem concorrência, está jogando há 500 anos na seleção e não tem concorrência de ninguém. Não é possível que a Itália não tenha outro goleiro. Mas acho que são esses os grandes goleiros pelo mundo. Acho que o melhor, no momento, é o Neuer – talvez pela idade e pelo time em que joga.
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