Um levantamento realizado pela Transparência Internacional encontrou falhas graves dos governos dos Estados na prestação de informações sobre a destinação dos recursos de emendas parlamentares e o andamento de obras públicas. De acordo com resultados do Índice de Transparência e Governança Pública 2025, apenas três unidades da federação prestam contas integralmente sobre emendas: Acre, Minas Gerais e o Distrito Federal.
Com o crescimento dos valores no Orçamento cuja alocação é determinada pelo Legislativo, esses dados se tornam cada vez mais essenciais para fiscalizar o uso de recursos públicos. Em âmbito federal, essa modalidade de destinação já atingiu R$ 50 bilhões, o equivalente a metade das verbas discricionárias – aquelas que podem ser alocadas livremente pelo gestor público.
Segundo o índice de transparência e governança as melhores notas foram obtidas pelos seguintes Estados:
– Espírito Santo (95)
– Goiás (93)
– Minas Gerais (89)
– Ceará (89)
– Distrito Federal (85)
Os Estados acima tiveram desempenho considerado “ótimo”.
Já os piores índices, com avaliação “regular” foram:
– Sergipe (51)
– Piauí (51)
– Acre (50)
– Roraima (48)
– Amapá (47)
Para Renato Morgado, gerente de Programas da Transparência Internacional, a carência desses dados fragiliza o combate a eventuais ilícitos a partir da distribuição de emendas.
“O primeiro risco é da própria corrupção. Infelizmente, parte dos recursos destinados a emendas, têm sido objeto de esquemas de corrupção. A transparência é um mecanismo tanto de prevenção, já que desestimula atos de corrupção, quanto de detecção da corrupção”, diz.
O Estadão procurou os piores colocados e ofereceu a oportunidade de eles se manifestarem. O único que se pronunciou foi o do Sergipe. A gestão admitiu os resultados ruins, mas destacou os avanços desde 2022, quando pontuou apenas 36,2. “Esse resultado refletia, à época, a ausência de regulamentações essenciais e a necessidade de estruturas mais robustas voltadas à integridade e à transparência. Desde então, adotamos um conjunto de medidas estruturantes e como reflexo desses esforços, o resultado preliminar da edição 2025 do ITGP já indicava evolução de 44,7 pontos e, após a fase recursal, Sergipe alcançou a pontuação de 51,5. Trata-se de um avanço de mais de 40% em relação ao desempenho anterior, sinalizando uma mudança consistente na cultura de governança pública do Estado.
O avanço, de acordo com o governo, se deve ao trabalho da Secretaria de Estado da Transparência e Controle (SETC), que “tem conduzido, com prioridade estratégica, a modernização das práticas de acesso à informação, integridade institucional e prestação de contas à sociedade”.
O estudo levou em consideração 106 critérios, com base nos quais atribuiu notas de 0 a 100 para os Estados avaliados, que foram divididos em “ótimo”, “bom”, “regular”, “ruim” e “péssimo”. Nenhum deles figurou como ruim ou péssimo, apesar dos defeitos constatados. A média nacional ficou em 69,8 pontos, nota considerada “boa”.
O principal gargalo é a divulgação de emendas estaduais, cuja destinação cabe aos deputados estaduais. Atualmente, 23 Estados não prestam informações completas sobre essa forma de uso de recursos. Um deles, o Pará, não apresenta qualquer dado. No caso das emendas federais, aquelas enviadas por deputados e senadores, 12 estados não apresentam qualquer informação.
A transparência no manejo das chamadas “emendas Pix”, que são enviadas diretamente ao caixa de Estados e municípios sem a necessidade de firmar convênios, também são um dos pontos de destaque do estudo. Como revelou o Estadão, 20 Estados brasileiros copiaram a emenda Pix e adotaram o mecanismo nos orçamentos estaduais.
Hoje, 13 estados não apresentam os planos de trabalho relativos a esses recursos, apesar de previsão legal e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que exigem a transparência desse uso de recursos.
O ministro Flávio Dino já tomou decisões que suspenderam o pagamento das “emendas Pix” devido à falta de prestação de informações sobre a alocação de recursos. Em ação que questionou a legitimidade dessa prática, o magistrado exigiu que o gasto público deve atender ao princípio da transparência e da rastreabilidade. Ou seja, é preciso informar exatamente em que projetos o dinheiro é utilizado.
Morgado aponta que a discussão sobre a legitimidade das emendas passa pela divulgação mais precisa de informações. “A falta de transparência reduz o debate público que precisa ser feito em relação às emendas. Quanto mais informação sobre o tema, mas bem informado é o debate. E as emendas parlamentares têm de fato promovido uma fragmentação da capacidade do Estado de implementar políticas públicas, já que os recursos são destinados muitas vezes a partir do interesse político imediato”, diz.
As obras públicas são outro problema identificado pela Transparência Internacional. Somente três Estados apresentam o nível de execução física e cinco, o nível de execução financeira. “Em geral, faltam informações sobre localização, percentual de execução, atrasos e eventuais paralisações, além de imagens que comprovem essa execução”, diz o estudo.
O órgão também aponta para a falta de estruturas dedicadas ao aprimoramento desses indicadores. Somente seis estados mantêm conselhos de transparência e combate à corrupção ativos e com participação da sociedade e apenas nove têm regras que garantem o anonimato a quem faz denúncias sobre corrupção.
Avanços desde 2022
Em que pese tenham sido detectados problemas na transparência, houve indicativos de melhora em relação à primeira versão do levantamento, realizado em 2022, quando foram analisados 84 critérios. O número maior de frentes de avaliação em 2025 torna a comparação entre os dois estudos parcial.
Dos 106 critérios existentes na atual edição, 47 são os mesmos verificados três anos atrás. Destes, 30 apresentaram resultados superiores. O número de Estados que fornecem dados sobre incentivos fiscais concedidos a grupos econômicos, por exemplo, saltou de 10 para 22.
“Houve avanços em normas, como na regulamentação da Lei Anticorrupção (passou de 20 para 23 estados), na vedação de práticas de nepotismo (de 16 para 20), em proteção a denunciantes (de 2 para 9), na gestão de conflitos de interesse (de 14 para 18) e na divulgação de registros de interação de agentes públicos com grupos de interesse (de 2 para 7).”
Cada um dos governos recebeu da Transparência Internacional uma cópia da sua avaliação preliminar e puderam apresentar contestações. De acordo com a entidade, 26 deles enviaram pedidos de reavaliação e procederam 490 aprimoramentos.
“Dá para dizer que houve um aprimoramento em nível estadual de práticas de transparência e integridade. É possível dizer a partir dos indicadores que são comparáveis. Por outro lado, existem muitas lacunas que persistem”, ressalta Morgado.
As novidades incluem a verificação da regulamentação feita por Estados sobre inovações legais em âmbito federal. É o caso de um novo dispositivo da Lei de Licitações que prevê que em obras de mais de R$ 200 milhões, consideradas de grande vulto, o governo exija da executante programas internos de integridade.