Proponho um experimento mental — um exercício de raciocínio — imaginando uma
situação hipotética e tentando prever suas consequências.
Antes de começarmos a viagem, voltemos a 2022, ano das eleições presidenciais no
Brasil. Bolsonaro e Lula disputam acirradamente os votos do povo, dividindo o País em
dois grupos fanáticos que se odeiam.
Já havia, desde 2019, uma barulhenta campanha pelas mídias sociais, atacando
algumas instituições brasileiras, com destaque para a Justiça Eleitoral, Supremo
Tribunal e Anvisa. O Lula ganhou a eleição por uma pequena margem de votos; o
Bolsonaro não aceitou a derrota, tentou melar o jogo e acabou condenado pelo STF
em 2025.
Agora começa nosso experimento: o Bolsonaro derrota o PT em 2022, inicia o segundo
mandato e continua a campanha contra a Justiça Eleitoral e o STF. Buscando reeleger-
se mais uma vez, candidata-se em 2026, mas agora perde a eleição para o Lula.
Inconformado, planeja evitar a posse do adversário com a ajuda dos generais que
participaram do primeiro e do segundo governos.
Tal qual o episódio real de 2022, o plano fracassa e todos são submetidos à
investigação da Polícia Federal. Esta envia as provas conseguidas à Procuradoria Geral
da República que as encaminha ao STF. Instalado o julgamento, agora diferente do
anterior, a Primeira Turma do Supremo absolve todos os acusados.
Por que, ao contrário do que realmente aconteceu, no nosso experimento, os réus
foram absolvidos?
É simples: no mundo real o Lula teve a oportunidade de nomear dois ministros do
Supremo que foram decisivos na formação do 4×1 para condenação e, no nosso
experimento, como o Bolsonaro teve um segundo mandato, coube a ele a nomeação
dos ministros que substituiriam o Zanin e o Flávio Dino, os quais, juntamente com o
Fux, formaram a maioria de 3×2 em prol da absolvição.
Este texto não é uma crítica ao STF, ele simplesmente procura entender de forma
simples (talvez simplória) a dinâmica das Supremas Cortes, cujos juízes, nos
julgamentos de crimes políticos, costumam decidir a favor de quem os nomeou.
Nos principais países do ocidente, os ministros são indicados pelos presidentes e
primeiros-ministros, como acontece no Brasil, Estados Unidos, França e Canadá, e com
escolha compartilhada entre poderes, como na Alemanha e Itália.
Nessas cortes supremas, observa-se um fenômeno recorrente: em julgamentos
políticos, ministros tendem a votar conforme os interesses dos presidentes ou
primeiros-ministros que os indicaram.
Essa “lealdade” leva a uma dúvida: a fidelidade e a gratidão, virtudes humanas raras e
desejadas, podem sobrepor-se ao dever de interpretar a lei com imparcialidade?
Será que é possível condenar os ministros que votam a favor de seus padrinhos em
casos complexos e controversos? Podemos cobrar dos juízes — humanos como nós —
a anulação do sentimento de gratidão e fidelidade, valores tão apreciados na
sociedade?
Seria politicamente correto escrever que o juiz não é aliado político, mas sim guardião
da lei e que em todas as circunstâncias, deveria ser fiel a ela.
Não o farei. Conhecendo minhas limitações, não sei se conseguiria (se fosse um
julgador) despir-me dos sentimentos humanos (amizade, gratidão, fidelidade) em
benefício da manutenção das leis.
Renato de Paiva Pereira.
Foto Capa: Palácio do Supremo Tribunal Federal na Praça dos Três poderes em Brasília