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‘O brasileiro tem um fetiche pela Suzane’, diz autor de ‘Tremembé’

Apesar de ser conhecido como “o presídio dos famosos”, o Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo, não abriga apenas presidiários notórios. “O maior perfil de Tremembé é ser um lugar que concentra pessoas que cometeram crimes brutais contra a vida de pessoas da própria família”, conta ao Estadão o autor Ullisses Campbell. “Essas pessoas cometeram atos tão brutais que elas não sobreviveriam em uma penitenciária comum.”

Especialista no assunto e nome badalado entre consumidores de obras de true crime, Campbell lança seu quinto livro no entorno do assunto. Em Tremembé: O Presídio dos Famosos (editora Matrix, já disponível nas livrarias), o escritor e jornalista vai além de figuras como Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga e Alexandre Nardoni. Para ele, o mais interessante era contar, também, as histórias dos anônimos.

“Os quatro livros anteriores são biografias de um único personagem. Então é uma imersão maior naquela figura, naquele criminoso ou criminosa” recorda, citando Suzane: Assassina e Manipuladora, Elize Matsunaga: A Mulher que Esquartejou o Marido, Flordelis: A Pastora do Diabo e Francisco de Assis: O Maníaco do Parque.

“Esse é uma antologia, cada capítulo é uma história diferente. Eu achava que isso tornaria a pesquisa e a escrita mais fáceis, mas no decorrer do processo eu descobri que cada capítulo é um livro independente. Foi muito mais trabalhoso.”

No livro, Ullisses passeia pelas histórias pregressas e a rotina no cárcere de alguns dos condenados que cumprem a sentença no complexo localizado no interior de São Paulo, revelando curiosidades sobre a vida na prisão, o que os levou até lá e mergulhando em seus comportamentos. Para dar conta do desafio, ele dividiu a obra em porções temáticas, reunindo histórias e motivações que conversassem entre si.

“O desfile de miss, quem participa? Eu escolho os crimes dessas mulheres. No masculino tem o futebol, eu coloco o futebol. Há os ricos que se reuniam lá, o [ex-senador Luiz] Estevão, o Pimenta Neves, o [Roger] Abdelmassih. Fui fazendo essas curadorias para tentar conectar uma história com a outra”, explica. “Como todos os crimes são chocantes, eu não queria que ficasse uma colcha de retalhos com o simples objetivo de chocar o público.”

Mesmo com tanto critério, sobraram histórias – que estarão no volume 2 do livro, planejado para 2026. “Eu sempre pesquiso mais do que o necessário, prefiro que sobre do que falte. Então o que sobrou vou colocar no volume 2”, revela, adiantando que crimes como o do atirador do Shopping Morumbi, Mateus da Costa Meira, e de Guilherme Longo, que matou o enteado de 3 anos com mais de 160 doses de insulina, estarão no próximo título.

Bastidores da escrita

Ullisses conta que visitou o Complexo Penal de Tremembé algumas vezes durante o processo de pesquisa para o livro, e relata que também conversou com alguns de seus personagens durante as tradicionais “saidinhas” ou períodos de liberdade condicional. O autor ressalta que mantém uma relação estritamente profissional com todos – mas admite que sente uma abertura maior com as mulheres.

“Quando eu vou nas saidinhas ou entro nas penitenciárias, eu sou mais abordado por mulheres porque elas querem contar suas histórias”, compartilha Ullisses Campbell. O autor diz que chega a receber mensagens em seu Instagram de mulheres recém-saídas do sistema prisional ou que estão planejando cometer crimes.

“Elas também querem saber dos filhos, me mandam cartas lá de dentro”, complementa. “Os homens me consideram meio ‘X9’. O maior retorno que tenho da penitenciária masculina é de policiais penais e outros funcionários que frequentam a ala, como professoras e instrutoras.”

Fascínio e fetiche

Desde quando lançou seu livro sobre Suzane von Richthofen, que inaugurou sua trilogia de mulheres assassinas em 2020, Ullisses Campbell tornou-se uma fonte segura para quem busca sanar a curiosidade sobre a rotina da assassina.

Mas, na ocasião, a trajetória não foi exatamente simples. A obra ganhou repercussão e notoriedade justamente pelo fato de Suzane ter tentado vetar sua publicação, em 2019. Inicialmente, a Vara de Execuções Penais de Taubaté acatou o pedido de Suzane e proibiu o lançamento do livro. Posteriormente, a decisão foi revista pelo Superior Tribunal Federal (STF), que liberou a publicação. A obra chegou ao público em janeiro do ano seguinte.

Anos depois, o assassinato cometido por Suzane e pelos irmãos Cravinhos continua a repercutir e despertar interesses, e ela volta a ser personagem no novo lançamento de Campbell – desta vez ele relata sua rotina a partir de 2021, quando começou a cursar Biomedicina na Faculdade Anhanguera de Taubaté.

“Eu acho que o brasileiro tem um fetiche pela Suzane. É só o que explica”, opina o escritor, sobre a intensa busca pública por informações sobre a criminosa, hoje com 41 anos.

“É uma coisa que está acontecendo agora com ela mas acontece há muito tempo nos Estados Unidos, onde o (Jeffrey) Dahmer e o Ted Bundy receberam muitas cartas. E tem isso também com o Maníaco do Parque, apesar de não ter as mesmas características da Suzane. Acho que ela está muito naquele viés de que é uma mulher branca, uma mulher loira, bonita, rica. Tem aquele estereótipo da criminosa sensual, que desperta fantasias. Eu recebo muitas mensagens no Instagram perguntando se a Suzane está solteira e como faz para se corresponder com ela.”

Humanização sem glamourização

Em tempos de alta procura por produções de true crime, e um ritmo veloz de séries, filmes e documentários que buscam se aproveitar da demanda, Ullisses Campbell aponta para a necessidade de se ter cautela ao tratar de assuntos particularmente delicados. Ciente do quanto o tema divide opiniões, ele afirma que seu objetivo é aproximar a realidade de Tremembé do leitor.

“As pessoas tendem a achar que esses criminosos estão muito longe da gente. Alguns crimes eu tento trazer para perto do leitor defendendo a tese de que as pessoas que estão em Tremembé poderiam ser da nossa família. Você não precisa ser um monstro para ir para lá. Não precisa matar sua filha de fome, jogar sua filha pela janela, matar seus pais a paulada. Às vezes é um ato imprudente como beber e dirigir, que é o caso do Fernando Sastre, ou de ter um transtorno mental negligenciado, como é o caso do procurador Matheus Carneiro Assunção”, exemplifica.

Mesmo assim, ele afirma compreender a postura de quem nega a literatura true crime. Para o autor, há uma rejeição à ideia de colocar o criminoso como uma pessoa que pertence à sociedade.

“Quanto mais o crime brutal se aproxima do leitor, mais ele se incomoda. É como se aquilo não fosse com ele. Quando dizem: ‘Você está romantizando, você está humanizando’, sim. Essas pessoas estão dentro da penitenciária cumprido penas e elas continuam sendo humanas, elas continuam amando, odiando, se divertindo, lendo, fazendo sexo. Elas continuam vivendo como nós aqui fora. O que incomoda é quando você coloca o criminoso e a pessoa que está do lado de fora no mesmo ambiente, mas essas pessoas pertencem à mesma sociedade. Isso cria uma repulsa.”

O autor, no entanto, observa que humanizar é diferente de idealizar. “O que eu sou contra, e isso eu não faço, é a glamourização. Isso acontece às vezes por fatores que estão alheios à minha vontade. Por exemplo, a Suzane é uma mulher muito bonita, ela está muito sedutora nas fotos. Isso glamouriza, mas não sou eu. Não sou eu que deixo esse preso famoso. A Suzane, esses (criminosos famosos) apareceram no Jornal Nacional, em horário nobre.”

Dos livros às telas

Na esteira do lançamento do livro vem a série do Prime Video de mesmo nome. Com estreia marcada para 31 de outubro, Tremembé promete mostrar o que acontece de verdade dentro do complexo prisional, com direito a um desfile de figuras notórias das páginas policiais brasileiras.

Com direção-geral de Vera Egito, a série é inspirada nos dois primeiros livros de Ullisses Campbell, sobre Suzane e Elize Matsunaga. O jornalista assina o roteiro ao lado de Vera Egito, Juliana Rosenthal, Thays Berbe e Maria Isabel Iorio.

Embora ainda não possa adiantar muitos detalhes sobre a atração, que terá estreia especial no Festival do Rio 2025 no próximo dia 8 de outubro, Ullisses Campbell contou que ficou impressionado com a semelhança do elenco e com a compreensão que Marina Ruy Barbosa demonstrou ter de sua personagem, Suzane.

“Ela incorporou todos aqueles trejeitos da Suzane, principalmente aquelas coisas que não são ditas, que vêm no subtexto, na entrelinha, naquele olhar”, descreve, estendendo os elogios ao restante do elenco, que conta com Bianca Comparato (Anna Jatobá), Felipe Simas (Daniel Cravinhos) e Lucas Oradovschi (Alexandre Nardoni).

“Aquelas pessoas cometeram crimes brutais, e a prática desses crimes é só um fragmento de suas vidas. Mas eles têm que se comportar como tal. O olhar, o gesto, precisa ser o de quem é capaz de fazer o que eles fizeram. A atriz que faz a Elize Matsunaga, a Carol Garcia, tem no olhar aquela psicopatia que foi diagnosticada na Elize por psicólogos”, explica.

Tremembé terá cinco episódios em sua primeira temporada, e por enquanto ainda não há notícias sobre uma eventual renovação. “O maior trunfo desse projeto é que a gente vai ver como esses criminosos famosos interagem dentro da penitenciária, como são as intrigas, os conchavos, as lutas pelo poder ali dentro e as estratégias de sobrevivência”, finaliza o autor.

Serviço

Tremembé: O Presídio dos Famosos
Autor: Ullisses Campbell
Editora: Matrix (376 páginas; R$ 89,00 / e-book por R$ 62,00)

Estadão Conteudo

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