Entre junho de 2013 e abril deste ano, os órgãos de segurança pública do Brasil compraram mais de 270 mil granadas e projéteis de gás lacrimogêneo e de pimenta, além de 263.088 cartuchos de balas de borracha de vários tipos e modelos.
Toda a munição química não letal adquirida seria suficiente para fazer mais de 819 lançamentos de granadas de gás e 797 disparos de balas de borracha por dia nesses 11 meses.
O levantamento do Exército mostra, ainda, um incremento nas aquisições pelos órgãos de segurança em 2014, principalmente por causa do temor de uma nova onda de manifestações durante a Copa. Desde junho do ano passado, foram comprados pelas PMs 113.655 granadas lacrimogêneo e 21.962 granadas de pimenta – 59% e 73%, respectivamente, adquiridos nos primeiros quatro meses deste ano.
Também foram comprados 134.731 cartuchos de gás de diversos calibres, que são jogados sobre multidões com lançadores de calibre 12, 38 e 40, para evitar que os policiais cheguem muito perto das pessoas. Os dardos podem cair no meio de massas a uma distância que pode variar, em média, entre 5 e 120 metros do atirador.
Estratégia diferente
Amazonas e Amapá foram os únicos estados que não pediram ao Exército autorização para a compra de armas não letais desde a Copa da Confederações. As secretarias de Segurança das duas unidades da federação foram procuradas pela reportagem comentar o assunto, mas não se manifestaram.
Em 2013, uma série de atos levou milhares de pessoas às ruas do país, fazendo as polícias atuarem na contenção de casos de violência, vandalismo e depredação. Em algumas situações, houve denúncias de excesso ou mau uso de armas químicas, com pessoas passando mal, gás atingindo residências, confrontos e feridos por balas de borracha e de pimenta.
"No meio da multidão, o indivíduo se sente mais forte, se sente o super-homem, perde a noção da individualidade. O objetivo das armas não letais é tirar o indivíduo da coletividade, fazer ele ter medo", explica o coronel Carlos Alberto de Camargo, ex-comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo.
O que se compra
Os dados do Exército mostram que Minas Gerais, Rio de Janeiro, Distrito Federal, São Paulo e Bahia foram os estados que mais compraram armas não letais desde junho do ano passado.
Segundo o coronel Camargo, o material adquirido pelos estados mostra como as tropas de choque devem atuar na contenção de "distúrbios civis" – nome que a polícia dá ao controle de multidões.
Desde a Copa das Confederações, a PM de São Paulo fez três compras de armas não letais, e a da Bahia, outras três. Minas Gerais foi o estado com o maior volume de aquisições. Em uma delas, feita em fevereiro, foram encomendadas 95 mil granadas de vários tipos e com cargas elevadas de gás lacrimogêneo e de pimenta.
A corporação do Distrito Federal adquiriu, também em fevereiro, mais de 50 mil unidades de sprays lacrimogêneos pequenos (85 gramas) e grandes (450 gramas).
As polícias dos demais estados, principalmente a do Rio, preferem os sprays de pimenta, que não são comprados por São Paulo. Em abril, a PM do Rio pediu autorização para a aquisição de 4.800 deles, a maioria de novos modelos que passaram a ser produzidos a partir dos distúrbios da Copa das Confederações.
As novas armas pretendem facilitar o uso manual pelos policiais, com versões em gel, spray, aerossol e espuma, e altas concentrações de pimenta para espirrar a médias e curtas distâncias.
A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, fez três pedidos de armas não letais, totalizando 12.700 sprays de pimenta, tanto em gel quanto em espuma. A Senasp não informou, porém, se vai doar os equipamentos às corporações estaduais.
Granadas de alta concentração
Os dados do Exército também revelam que as polícias continuam comprando cartuchos de borracha de vários modelos. Alguns deles contêm apenas uma bala, que pode ser amarela ou preta, chamada de "precision". Outros cartuchos incluem múltiplos projéteis esféricos de elastômero, que podem atingir maior velocidade e ferir várias pessoas ao mesmo tempo.
Ao todo, a Senasp comprou 96 mil do modelo de cartucho. A PM do Piauí adquiriu 14 mil, a do Distrito Federal, 28 mil, e a de Minas Gerais pediu 35 mil. Essas são as três corporações que mais compraram o tipo de munição.
Em relação aos gases, Bahia, Minas, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Ceará fizeram compras de mais de mil cartuchos para serem usados em lançadores. A PM paulista utiliza as granadas com alta concentração de lacrimogêneo. Essas armas carregam três pastilhas de gás que se distribuem sobre o solo. A munição gera um intenso volume de fumaça e dificulta a devolução contra a tropa.
Além disso, entre junho e dezembro de 2013, a PM de São Paulo comprou 14.875 granadas dos dois modelos com carga tríplice de lacrimogêneo. Essas armas também foram adquiridas para uso nos últimos 11 meses por unidades de segurança da Bahia, de Mato Grosso, do Rio Grande do Sul, do Ceará, de Goiás, do Rio Grande do Norte, do Pará e de Minas Gerais – só a PM mineira comprou 10 mil unidades delas em abril –, além da Polícia Rodoviária Federal no DF.
Recentemente, algumas polícias adquiriram, ainda, a munição multi-impacto, que, além de gás lacrimogêneo ou pimenta, leva internamente múltiplas esferas de borracha que se dispersam quando a arma é lançada. Desde a Copa das Confederações, o modelo foi comprado pelas polícias de MG (mil unidades), Rio de Janeiro (500), Pará (260), SP (120), Ceará (120) e Rio Grande do Norte (50).
Munição de tinta
As PMs do Rio de Janeiro, do Distrito Federal e do Maranhão pediram autorização para comprar munição de tinta não lavável (normalmente vermelha). A reportagem procurou as corporações para comentar o uso de armas de tinta, multi-impacto e com múltiplas cargas de lacrimogêneo, mas não obteve retorno.
Segundo o ex-comandante da PM paulista, a escolha de qual tipo de munição não letal usar depende das características de cada tropa, do treinamento e da situação.
"A grande variedade de intensidade nas cargas, dimensões e tipos ocorre porque cada arma tem uma função específica, dependendo da ocasião. Vários condicionantes – como vento, chuva, se o local é aberto ou fechado, a quantidade das pessoas e a disposição delas, e a distância [dos manifestantes] em relação aos policiais – interferem na escolha de um ou de outro", diz o coronel Camargo.
G1