Opinião

Ignorar o perigo não é coragem.

Darwin termina o livro A Origem das Espécies (1859), com a famosa frase:

“Deve-se, portanto, admitir que provavelmente todos os seres vivos que já viveram na
Terra descendem de uma forma primitiva, à qual a vida foi primeiramente concedida.”

No ambiente dominado pela religião na época, esse malabarismo verbal era necessário
para não confrontar a Igreja e criar problemas com ela. Ou seja, não convinha cravar
que o homem divide os ancestrais com todos os seres vivos. Interpretando a Bíblia, o
cristianismo afirmava que os humanos nasceram de um processo diverso dos outros
viventes e já saíram da forma tal qual somos hoje.

Darwin intuiu que mudanças aleatórias, seguidas da seleção natural dos atributos
úteis, determinaram a evolução das espécies, entre elas, as dos primatas, que são a
nossa turma.

Entre estes atributos, a capacidade de reconhecer os predadores e inimigos perigosos,
mantendo deles uma distância segura, foi decisiva para o sucesso de espécies e de
indivíduos.

Assim, um veado, que é a presa preferida do leão, aprendeu desde cedo a evitar os
lugares frequentados por este e sempre ficar longe dele.

O Homo sapiens, que desenvolveu a capacidade vocal, foi mais longe: avisa uns aos
outros sobre os lugares em que vivem os inimigos.

— Naquele capãozinho perto da mina tá morando uma onça. Ontem, ela quase me
pegou. Ou,

— Cuidado, fulano, o brejo da paineira, tá cheio de cobras. Uma tia minha foi picada lá
por uma cascavel.

Falo sobre este mecanismo de evolução das espécies para referir a dois episódios
atuais e observar que os protagonistas não foram contemplados com os genes que
levam as pessoas a perceberem o perigo e fugir dele.

O primeiro é o nosso verborrágico presidente que, não percebendo a força e o
destempero do Trump, vive contestando o Pavão Americano. Conseguiu uma taxação
de 50% dos produtos que exportamos e, mantendo o discurso de escantear o dólar,
poderá aumentar este imposto.

O segundo é o deputado Eduardo Bolsonaro. Do ponto de vista familiar, parece justo
que ele lute pela liberdade do pai. Mas, tal qual o Lula, não tem noção do perigo e
resolveu, achando-se super corajoso, sacudir o pano vermelho na fuça do touro.

Ora, ele conhece o Xandão (o touro) de outros carnavais e sabe que o pretensioso
ministro foi curtido nos embates públicos (promotor de justiça, secretário de
segurança pública, ministro da justiça) e tem a fama de não recuar. Buscando uma
ajuda externa para abater o “carrasco” conseguiu uma tornozeleira para a perna do
pai.

Tem mais, seu irmão, o senador Flávio, também prejudicado na distribuição dos genes
da cautela, resolveu descumprir as decisões do ministro, levando o pai para a prisão
domiciliar.

A seleção natural ensina que, diante de um iminente ataque, não adianta exigir justiça
nem denunciar desigualdades, pois a natureza não se importa com o destino dos
indivíduos. O melhor é fugir, porque enfrentar uma luta de vitória impossível não é
coragem, é burrice mesmo.

Renato de Paiva Pereira.

Foto Capa: Reprodução/Divulgação

Renato Paiva

About Author

Você também pode se interessar

Opinião

Dos Pampas ao Chaco

E, assim, retorno  à querência, campeando recuerdos como diz amúsica da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul.
Opinião

Um caminho para o sucesso

Os ambientes de trabalho estão cheios de “puxa-sacos”, que acreditam que quem nos promove na carreira é o dono do