A morte de Hulk Hogan, anunciada na quinta-feira passada, dia 24, reacendeu um dos episódios mais controversos do jornalismo digital recente. Longe dos holofotes da luta livre que o consagraram, o ex-astro da WWE protagonizou, nos tribunais, uma cruzada que culminou na falência de um dos principais veículos independentes da mídia americana: o site Gawker. Ao seu lado, nos bastidores, operava o bilionário Peter Thiel, figura influente do Vale do Silício e rival declarado da empresa.
A história começou com a publicação, em 2012, de um trecho de um vídeo íntimo de Hogan com Heather Clem, então casada com seu melhor amigo, o radialista Bubba the Love Sponge. A gravação, segundo o lutador, feita sem seu consentimento, chegou anonimamente à redação do Gawker. O site publicou pouco menos de dois minutos do material, incluindo dez segundos de ato sexual, junto a um texto provocativo sobre voyeurismo e fama.
Hogan alegou invasão de privacidade e levou o caso à Justiça da Flórida. No julgamento, afirmou ter se sentido “completamente humilhado”. Embora sua vida sexual já tivesse sido tema de declarações públicas, ele argumentou que a publicação violava seus direitos fundamentais. O júri concordou.
O veredicto, divulgado em março de 2016, foi devastador para o Gawker: US$ 115 milhões em indenizações compensatórias e mais US$ 25 milhões em danos punitivos. A sentença foi ainda mais chocante por superar em muito o valor solicitado inicialmente pela acusação. Poucos dias depois, o Gawker pediu falência e anunciou sua venda. Três meses mais tarde, um acordo com Hogan encerrou a disputa por US$ 31 milhões.
Mas a verdadeira bomba viria logo em seguida: Hogan não estava sozinho. Seu processo havia sido secretamente financiado por Peter Thiel, cofundador do PayPal e investidor do Facebook. Uma década antes, o Gawker havia publicado que Thiel (um conservador republicano e financiador do partido de Donald Trump), era gay, sem seu consentimento. Desde então, ele passou a perseguir silenciosamente o veículo, apoiando ações judiciais com um objetivo claro: fechá-lo.
Thiel investiu cerca de US$ 10 milhões em diferentes processos contra o grupo de mídia. A ideia da ofensiva teria sido sugerida por Aron D’Souza, um jovem empresário que propôs a estratégia ao bilionário em 2011, durante uma reunião em Berlim. Ele previu que levaria entre três e cinco anos e custaria mais de oito dígitos – e acertou em cheio.
Durante o julgamento, a defesa do Gawker tentou sustentar que a publicação, embora polêmica, tinha valor jornalístico, afinal, Hogan já havia tratado de sua vida sexual em diversas entrevistas e programas de rádio. Porém, declarações de editores do site, incluindo piadas de mau gosto sobre limites éticos, pesaram contra. O tribunal entendeu que o direito à privacidade se sobrepunha ao interesse público.
A repercussão foi imediata e polarizada. Enquanto alguns celebraram a decisão como uma punição a práticas jornalísticas sensacionalistas, outros viram nela uma ameaça grave à liberdade de imprensa. “É importante separar o que é de mau gosto do que é ilegal”, argumentou o advogado do The New Yorker, Fabio Bertoni, à época do julgamento.
O caso também acendeu o alerta sobre a influência de bilionários no ecossistema midiático. Ao financiar secretamente ações judiciais com motivação pessoal, Thiel lançou uma nova e perigosa forma de censura privada. “Foi uma das maiores ações filantrópicas que já fiz”, afirmou ele sobre sua atuação no caso.
Após o fechamento do Gawker, suas principais marcas foram compradas pela Univision, incluindo sites como Gizmodo, Jezebel e Kotaku. A publicação original, no entanto, foi encerrada. Seu fundador, Nick Denton, que também declarou falência pessoal, publicou uma carta aberta a Thiel logo após o julgamento, afirmando: “Na próxima fase, você também estará sujeito a uma dose de transparência” – uma provocação direta ao bilionário, sugerindo que, agora exposto como o financiador oculto do processo, ele também passaria a ser alvo do mesmo tipo de escrutínio público que tanto desprezava.
Anos depois, em 2025, Denton voltou atrás e declarou que o bilionário havia lhe feito um favor ao forçar a venda da empresa, uma vez que, segundo ele, a Gawker já enfrentava um modelo de negócios insustentável. Mas, para muitos jornalistas, o episódio segue como um divisor de águas, marcando o início de uma era de perseguição jurídica a veículos independentes.