No Estado Democrático de Direito, a liberdade de informação e o princípio da publicidade dos atos administrativos e processuais constituem garantias fundamentais, asseguradas no artigo 5º, inciso XIV, e no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. No entanto, como todo direito fundamental, a publicidade não é absoluta. Ela deve coexistir em equilíbrio com outros direitos igualmente fundamentais, como a intimidade, a honra, a imagem e a dignidade da pessoa humana, previstos nos incisos X e XLI do mesmo artigo 5º.
O sigilo processual — seja no âmbito judicial ou administrativo — surge, nesses casos, como instrumento legítimo de proteção à esfera privada dos envolvidos, especialmente em procedimentos que ainda se encontram em apuração ou que envolvem dados sensíveis. A imposição do sigilo não representa uma afronta à transparência pública, mas sim uma medida necessária e juridicamente fundamentada, quando visa preservar o devido processo legal, a segurança jurídica, a boa-fé, e sobretudo, os direitos fundamentais das partes.
A jurisprudência brasileira, inclusive dos tribunais superiores, tem reconhecido que a decretação de sigilo é compatível com o regime democrático quando fundada em razões legítimas e proporcionais. A proteção da intimidade em investigações preliminares, por exemplo, tem sido considerada essencial para garantir a imparcialidade da apuração e evitar condenações públicas antecipadas.
Entretanto, é crescente a preocupação com a forma como a imprensa, muitas vezes, lida com informações protegidas por sigilo legal. A violação do sigilo por parte de jornalistas ou veículos de comunicação, ao divulgar dados sigilosos de processos ou procedimentos administrativos em curso, acarreta sérias implicações jurídicas. No campo cível, o artigo 186 do Código Civil estabelece que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, ensejando a obrigação de indenizar por danos morais. No plano penal, a conduta pode configurar os crimes de violação de sigilo funcional (art. 325 do Código Penal), calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e divulgação de segredo (art. 153), a depender da forma e do conteúdo da publicação.
Não se trata de cercear a liberdade de imprensa — pilar essencial da democracia —, mas de reafirmar que tal liberdade deve ser exercida com responsabilidade, dentro dos limites legais e em respeito à dignidade das pessoas envolvidas. O direito à informação não pode se transformar em instrumento de exposição indevida, linchamento midiático ou desmoralização pública sem contraditório. O dever ético da imprensa deve incluir o discernimento entre interesse público e curiosidade pública, bem como o cuidado em não tratar suposições ou apurações preliminares como verdades consolidadas.
A antecipação de julgamentos pela opinião pública, fomentada por matérias sensacionalistas baseadas em vazamentos ilegais, pode comprometer não apenas a reputação de indivíduos, mas também a própria credibilidade das instituições e a seriedade dos procedimentos. Nos casos de agentes públicos, as consequências são ainda mais graves, pois a honra funcional e a imagem institucional podem ser irremediavelmente atingidas antes mesmo da conclusão do procedimento, prejudicando o regular funcionamento da administração.
Além do aspecto jurídico, há uma dimensão moral e social igualmente relevante. A violação da confidencialidade destrói reputações, abala vínculos profissionais, compromete famílias e, em muitos casos, inviabiliza a reintegração social de pessoas inocentes ou injustamente acusadas. A ética jornalística, nesse sentido, deve ser aliada do Estado de Direito e da Justiça, e não agente de condenações prévias e irreversíveis.
Portanto, é imprescindível que os profissionais da imprensa compreendam os limites legais do direito à informação e respeitem a natureza sigilosa de determinados procedimentos. Cabe também às instituições públicas zelarem pela integridade dos processos, responsabilizando os autores de vazamentos e reforçando a importância do respeito à legalidade.
O sigilo legal, quando devidamente fundamentado, não é inimigo da transparência, mas um mecanismo de proteção da verdade e da Justiça. A maturidade democrática exige que saibamos reconhecer que há momentos em que o silêncio resguarda, onde a reserva garante a imparcialidade, e onde a discrição é expressão de respeito à dignidade humana.
Em suma, o sigilo, longe de ser uma antítese da publicidade, constitui com ela um binômio em constante equilíbrio. Cabe ao Direito encontrar esse ponto de harmonia, garantindo que nem a ânsia por transparência viole a dignidade das pessoas, nem o excesso de reserva comprometa o direito coletivo à informação e à fiscalização da coisa pública. E cabe à imprensa exercer sua função com responsabilidade, consciente de que a liberdade de informar não se sobrepõe ao direito de cada indivíduo de ser tratado com justiça, respeito e humanidade.
Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.