O filme O Diabo Veste Prada (2006), dirigido por David Frankel, é uma obra que ultrapassa os limites do entretenimento e se firma como uma narrativa atemporal sobre as complexidades da vida profissional, da identidade pessoal e da saúde mental em ambientes corporativos altamente competitivos. Inspirado no best-seller de Lauren Weisberger, a trama ganhou o status de clássico moderno não apenas pela estética envolvente, mas sobretudo por sua profundidade psicológica e pelos dilemas éticos e existenciais que apresenta.
A protagonista, Andrea Sachs (Anne Hathaway), é uma jovem jornalista idealista que se vê inesperadamente mergulhada no glamouroso e implacável universo da moda como assistente da temida e reverenciada editora-chefe da fictícia revista Runway, Miranda Priestly (vivida magistralmente por Meryl Streep). A partir dessa premissa, o filme constrói uma reflexão densa sobre os caminhos que escolhemos — e sobre os que deixamos para trás.
No decorrer da trama, Andrea passa por uma transformação que vai além do figurino sofisticado. Ela é moldada pelas exigências do trabalho, afastando-se dos amigos, do namorado e dos próprios valores. Esse processo — que, para muitos, representa o ingresso no “mundo adulto” — revela-se, na verdade, uma lenta e silenciosa erosão da identidade. O filme ensina que o sucesso profissional não deve ser alcançado à custa da alma, e que a ascensão em ambientes tóxicos cobra um alto preço emocional.
O poder da escolha é um dos pilares centrais da história. Andrea, a todo momento, precisa decidir: entre agradar ou manter sua ética; entre ascender ou preservar seus vínculos afetivos; entre se adaptar ou se manter fiel à sua essência. A grande virada do filme ocorre quando ela percebe que seu reflexo no espelho já não lhe pertence. Esse momento de autoavaliação é libertador — e é nele que reside a mais importante lição da trama: a liberdade está em reconhecer que podemos recomeçar.
Aspectos Psicológicos e Lições de Vida
O Diabo Veste Prada é, também, um estudo sutil sobre psicologia do trabalho e comportamento humano, abordando o assédio moral e abuso de poder, mostrando que Miranda Priestly é a personificação do chefe abusivo — manipuladora, fria, excessivamente exigente. A relação hierárquica baseada no medo expõe as marcas do assédio moral e os efeitos silenciosos que ele pode gerar na autoestima e no equilíbrio emocional de subordinados. Fala também sobre adaptação e esgotamento emocional, pois Andrea, ao tentar se encaixar, altera completamente sua postura, estilo e até valores, o que escancara como o desejo de aceitação e reconhecimento pode fazer alguém se afastar de sua identidade — algo que, a longo prazo, conduz ao esgotamento e à insatisfação profunda.
Aborda também a pressão e estresse no ambiente corporativo, com a correria incessante, as demandas impossíveis, os jogos de poder e a falta de reconhecimento humano que expõem um modelo de trabalho doentio, onde a produtividade é medida pela submissão irrestrita e pela abdicação da vida pessoal.
Ao final, traz a importância da autoavaliação quando Andrea rompe com o ciclo destrutivo e decide se reconectar com aquilo que a motivava originalmente — o jornalismo com propósito. Essa virada simboliza a importância de parar, refletir e realinhar rumos antes que seja tarde.
Tecnicamente, o filme é impecável. A trilha sonora envolvente e a direção de arte sofisticada, especialmente o figurino de Patricia Field, não apenas encantam, mas cumprem papel narrativo ao traduzirem visualmente a transformação da protagonista.
Meryl Streep, como sempre, entrega uma atuação memorável, com uma Miranda Priestly que impõe respeito com a força do silêncio, do olhar e da entonação contida — um retrato de poder construído na frieza sutil, e não no comportamento teatral e exagerado. Essa performance lhe rendeu uma merecida indicação ao Oscar. Anne Hathaway, por sua vez, conduz com sensibilidade a evolução de Andrea, equilibrando a ingenuidade inicial com a firmeza adquirida no final, numa atuação que se comunica com muitas mulheres em início de carreira. Emily Blunt, no papel da assistente Emily Charlton, é um alívio cômico amargo — sua personagem sofre as consequências da mesma pressão, mas sem o mesmo despertar, tornando-se o espelho do que Andrea poderia ter sido.
Mais de uma década após seu lançamento, O Diabo Veste Prada continua sendo citado em rodas de conversa, livros sobre liderança, estudos de psicologia organizacional e debates sobre a condição feminina no mercado de trabalho. Isso porque o filme toca em temas universais e contemporâneos: a busca por reconhecimento, a solidão do sucesso, o assédio disfarçado de exigência, o abandono de si em nome de uma carreira, e a difícil decisão de renunciar quando todos esperam que você diga “sim”.
O longa também virou símbolo da luta por um equilíbrio mais humano entre ambição e bem-estar. É um retrato de como, em um mundo cada vez mais exigente, manter os próprios valores pode ser o verdadeiro ato de coragem.
Vale muito a pena assistir!

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.
Foto capa: Reprodução/Divulgação