“Queriam igualdade? Então agora aguentem.”
Quantas vezes já ouvimos essa frase, dita em tom de sarcasmo, deboche ou até mesmo de ameaça, sobretudo em ambientes onde o machismo ainda se esconde sob a máscara da falsa modernidade?
Casualmente ouvi essa frase quando comentávamos sobre um feminicídio recentemente ocorrido, e fiquei estarrecida, pois o ambiente era, teoricamente, o que costumam chamar de elitizado, frequentado por cidadãos bem-sucedidos e alto poder econômico. Triste, muito triste.
Essa expressão, que circula livremente em rodas de conversas, nas redes sociais, no ambiente de trabalho e, muitas vezes, até dentro das famílias, revela um pensamento profundamente enraizado em uma cultura que insiste em colocar a mulher em uma posição de subalternidade. É como se a busca das mulheres por direitos, respeito e equidade fosse interpretada, de maneira distorcida, como um pedido para serem tratadas com a mesma rudeza, violência ou opressão que, historicamente, foram características de uma masculinidade tóxica.
O problema é que essa leitura perversa do conceito de igualdade não surge por acaso. Ela é fruto de um machismo estrutural, que, mesmo em tempos de avanços sociais e conquistas femininas, resiste, se adapta e se manifesta das formas mais cruéis, seja no aumento assustador dos índices de violência doméstica e feminicídio, seja no assédio moral e sexual no ambiente de trabalho, na desvalorização das mulheres nas carreiras, ou no desrespeito dentro dos próprios lares.
Quando uma mulher exige igualdade, ela não está pedindo para ser violentada, morta, explorada ou desumanizada. Ela exige os mesmos direitos, as mesmas oportunidades e o mesmo respeito. Contudo, quem profere frases como essa, revela mais do que ignorância sobre o conceito de equidade — expõe um desejo velado de punição, de retaliação, como se a autonomia feminina representasse uma afronta à ordem que sempre os favoreceu.
O machismo estrutural transforma essa busca legítima por igualdade em motivo para reforçar comportamentos abusivos. No trabalho, isso se traduz em sobrecarga, exigências desproporcionais, assédio e invisibilidade. Na sociedade, em julgamentos constantes, culpabilização da vítima, e na manutenção de estigmas que questionam a competência, a moral ou o valor da mulher. No ambiente doméstico, perpetua-se na divisão desigual das tarefas, na violência física, psicológica, patrimonial e até no controle da liberdade.
Essa narrativa perversa ainda cria um falso paradoxo: se querem ser iguais, então devem suportar as mesmas agressões que os homens supostamente enfrentam. Isso não é igualdade. Isso é violência. É desumanização. É uma tentativa desesperada de manter estruturas de poder que sempre relegaram as mulheres a uma condição de inferioridade, tratando-as como seres de segunda classe.
É preciso, urgentemente, desconstruir essa lógica. Igualdade não é sobre replicar opressões, mas sim sobre construir relações justas, onde gênero não determine quem merece respeito, segurança, reconhecimento ou afeto.
Quem usa esse tipo de discurso não entendeu — ou não quer entender — que igualdade é sobre direitos, dignidade e humanidade. E que a verdadeira coragem está em romper com os ciclos de violência, preconceito e desigualdade que, por séculos, sustentaram uma sociedade excludente, opressora e desumana para as mulheres.
Portanto, sim, queremos igualdade. Mas não essa distorcida, manipulada e cruel que alguns tentam impor. Queremos igualdade de direitos, de oportunidades, de respeito e de liberdade. E não aceitaremos mais que nos digam que, por isso, devemos “aguentar” qualquer tipo de violência, seja ela simbólica, verbal, física ou institucional.
A luta não é por sermos tratadas como homens, mas por sermos tratadas como seres humanos.
Precisamos evoluir. Urgentemente.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.
Foto capa: Reprodução/Divulgação