Antes, os motoristas não faziam o teste, eram multados (pena administrativa), perdiam a carteira de habilitação e tinham o veículo apreendido, mas não respondiam a processo criminal.Com a nova lei, já não adianta fugir do teste. A norma incluiu novos tipos de provas contra os condutores, como testemunhas, vídeos e fotos, que já resultaram em condenações.
O valor da multa também aumentou, de R$ 957,70 para R$ 1.915,40 (que é dobrado se o motorista for reincidente em um ano). A medida já é considerada um fator de diminuição de acidentes no país.Na nova interpretação dos juízes, no entanto, agora não basta ser flagrado com nível de álcool no sangue (alcoolemia) acima do permitido, é preciso também ter perdido os reflexos, ou seja, a "capacidade motora" para dirigir.
O entendimento se baseia na alteração da parte principal do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que retirou a expressão "concentração de álcool" (veja ao lado).
Sob esse argumento, foram rejeitadas denúncias do Ministério Público (MP) contra motoristas flagrados com quantidade proibida de álcool no sangue, e outros foram absolvidos.
A interpretação divide especialistas sobre o tema. Parte considera que a lei se tornou mais justa, punindo apenas com multa, e não detenção, o condutor que bebeu pouco, mas não causou perigo a outras pessoas.
Já para entidades como a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), o entendimento é preocupante, porque qualquer quantidade de álcool é capaz de alterar a capacidade de dirigir.
Liberados
No Maranhão, o juiz Paulo Afonso Vieira Gomes rejeitou denúncia do MP contra um homem flagrado por policiais pilotando uma motocicleta e cujo teste de alcoolemia apontou 0,595 mg de álcool por litro de sangue, índice superior ao permitido por lei.
"Pela clareza lunar do dispositivo em comento, claramente se extrai não bastar, para configuração do crime, esteja o condutor com concentração de álcool no sangue superior ao limite previsto legalmente, mas, sim, que também esteja com sua capacidade psicomotora alterada em razão da influência de substância psicoativa", escreveu o juiz na decisão.
No Rio Grande do Norte, o juiz Guilherme Newton do Monte Pinto também absolveu um réu "abordado por policiais militares no momento em que dirigia o seu veículo em zig-zag (sic)". Sem o teste do bafômetro, foi feito um termo de constatação de embriaguez (uma série de perguntas respondidas pelo motorista), com resultado positivo, e ele foi liberado após pagar fiança.
Nesse caso, segundo o juiz, o acusado disse que havia bebido no almoço, mas que foi abordado às 23h e que "não fez bafômetro pela arrogância do tenente, que queria obrigar o mesmo a fazer".
Ainda assim, o magistrado afirma que ficou constatado pela prova testemunhal que o acusado havia bebido, já que estava com os "olhos vermelhos e hálito de álcool", mas que "falava normal, não esboçou reação, não estava cambaleante nem desequilibrado". "Não ficou constatado, entretanto, a alteração da capacidade psicomotora", destacou Monte Pinto.
O magistrado afirmou ainda que, após a mudança na legislação, vídeos, testemunhas, perícia, exame clínico e também o teste do bafômetro são "apenas meios de prova e nada mais".
"Se alguém dirige com a referida alteração [psicomotora] em razão, por exemplo, de ter levado uma pancada na cabeça, não está incorrendo na conduta delituosa. De outra parte, o fato de dirigir após consumir bebida alcóolica, ainda que em nível superior ao estabelecido como limite pelo próprio dispositivo legal, mas, sem qualquer interferência na capacidade psicomotora, também não configura, por si só, o tipo penal em exame", argumentou o juiz.
Na 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, órgão de segunda instância, houve divergência sobre o tema, mas o colegiado acabou absolvendo, por maioria, um motorista do município de Panambi que chegou a ser preso em flagrante e denunciado com base na legislação anterior, por dirigir com 9 decigramas de álcool no sangue, atestados por bafômetro.
Segundo o voto vencedor do desembargador Diógenes Hassan Ribeiro, "o que antes era crime, hoje é meio de prova para demonstração de um crime". "A conduta pela qual o réu foi denunciado não mais é crime, tampouco pode ser abrangida pelo novo tipo penal de embriaguez ao volante, pois conduzir veículo automotor com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas é completamente diferente de conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada", escreveu.
O magistrado afirmou que a nova lei traz situação mais benéfica ao réu, por isso retroage (vale para casos antes da lei). "É possível e até provável que 6 decigramas de álcool por litro de sangue no organismo de uma mulher, com peso corporal de 50 kg, atue de forma distinta do que no organismo de um homem, com peso corporal de 120 kg, por exemplo", argumentou Ribeiro.
No voto vencido, o desembargador Jayme Weingartner Neto disse que, "depois de 'usar celular ao volante', dirigir alcoolizado é a segunda maior causa [de acidentes]: em 21% dos acidentes, pelo menos um dos condutores havia bebido". "Nesse quadro, [é] legítimo que o Estado cumpra seu dever de proteção em relação aos cidadãos", afirmou. "A par do etilômetro [bafômetro], eram visíveis os sintomas de embriaguez, conforme depoimentos judiciais", defendeu. O restante da Câmara acompanhou o relator.
Condenações
O novo entendimento sobre a lei seca, no entanto, não é sempre usado para livrar todos os motoristas que se recusarem a soprar o bafômetro. Além de não haver escapatória da punição administrativa, as decisões judiciais mostram que os outros meios de prova se tornaram eficazes para punir quem dirige embriagado.
Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) mostram que os testes do bafômetro dispararam nas estradas federais desde que a lei ficou mais dura. Em 2013, foram 1.523.334 testes ao todo, contra 425.009 em 2012 e 95.137 em 2011.
O número de motoristas presos também aumentou. Apenas no período de janeiro a março de 2014, foram presos 2.322 condutores embriagados, número que supera todo o ano de 2011, quando houve 1.658 presos. Em 2013, foram 11.868 prisões.
Em São Paulo, a 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) condenou um motorista que se recusou a soprar o bafômetro, com base nas outras provas apresentadas durante a blitz: 12 garrafas vazias de cerveja em seu veículo e os depoimentos de policiais militares, que descreveram a aparência, a atitude, a elocução, o andar e a coordenação do condutor. Antes da mudança, essas provas seriam desconsideradas.
Na 3ª Câmara Criminal do TJ-RS, um motorista confesso que tinha o triplo de álcool no sangue do que é permitido também acabou condenado sob o mesmo entendimento usado na absolvição.
"A Lei 12.760/12 alterou o disposto no artigo 306 do Código de Trânsito. O tipo já não se realiza pelo simples fato de o condutor estar com uma determinada concentração de álcool no sangue e, sim, por ele ter a capacidade psicomotora alterada em razão da influência do álcool, seja ela qual for. A concentração que antes constituía elementar do tipo passou a ser apenas um meio de prova dessa alteração", destacou o desembargador João Batista Marques Tovo ao julgar o caso no RS em junho do ano passado.
Segundo ele, "no caso dos autos, o resultado do etilômetro foi muito superior mais que o triplo ao limite estabelecido pela legislação em vigor ao tempo do fato e há evidência de que o réu estava com sua capacidade psicomotora alterada". "Veja-se, ele tombou com a moto e, ao ser abordado pelos policiais militares, estava com hálito alcoólico, lento e grogue, com sinais físicos de embriaguez, narraram em juízo os policiais", destacou Tovo.
Na opinião do desembargador, para os processos em andamento, mesmo que a condenação tenha ocorrido antes da vigência da nova lei, "deve-se verificar se há evidência da alteração da capacidade psicomotora, sem o que não pode ser mantida a condenação". A lei penal retroage sempre que for mais benéfica ao réu.
Teoria do perigo
A nova edição da lei seca vem reacendendo uma discussão que já existia nos tribunais. Em Chapecó (SC), um motorista teve denúncia rejeitada ao alegar que, embora tivesse bebido, não oferecia nenhum perigo aos outros enquanto dirigia. Ele foi flagrado em uma blitz com 0,4 mg de álcool por litro de sangue segundo o bafômetro, "olhos vermelhos e hálito etílico".
Para o juiz de primeira instância, a nova lei transformou o crime de perigo abstrato em perigo concreto. Ou seja, não basta dirigir bêbado, é preciso uma situação concreta de perigo para que se caracterize crime.
A decisão, contudo, foi revertida em um recurso. Isso porque já existe jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema, mas os desembargadores também levaram em consideração o resultado do teste do bafômetro, usado como meio para comprovar a embriaguez. "A prova exigida pela lei é a da perda da capacidade psicomotora, e não da direção perigosa", entendeu o desembargador Sérgio Rizelo.
G1