Em um mundo corporativo cada vez mais movido pela lógica do lucro a qualquer custo, Dark Waters – O Preço da Verdade (2019), dirigido por Todd Haynes e estrelado por Mark Ruffalo, emerge como uma denúncia contundente e necessária. Baseado em fatos reais, o longa revela o escândalo ambiental protagonizado pela DuPont, uma das maiores empresas químicas do mundo, e escancara uma dura verdade: para muitos conglomerados, a vida humana é secundária frente à preservação de seus lucros.
O filme conta a história de Robert Bilott, um advogado corporativo bem-sucedido que, ao ser procurado por um fazendeiro de uma pequena cidade da Virgínia Ocidental, decide investigar uma série de mortes e deformações que atingiam a população local e os animais. O que começa como um simples gesto de empatia se transforma em uma jornada de enfrentamento ético contra o poder econômico, a negligência ambiental e a omissão criminosa.
Bilott descobre que a DuPont vinha despejando, durante décadas, uma substância tóxica chamada PFOA (ácido perfluorooctanoico) nas águas da cidade – produto presente na fabricação do famoso Teflon. Documentos internos da empresa provam que, desde os anos 1970, seus cientistas sabiam dos efeitos cancerígenos do composto. Ainda assim, optaram pelo silêncio. A tragédia foi silenciada em nome da produtividade, da estabilidade acionária e da imagem de marca.
No entanto, Dark Waters vai além da denúncia ambiental. Ele mergulha na dimensão moral do protagonista, ressaltando que, diante de um sistema que recompensa o silêncio e penaliza a integridade, é possível – e necessário – fazer a escolha certa. Robert Bilott sacrifica sua carreira, sua saúde e até seu bem-estar familiar, mas nunca sua consciência. A verdade, para ele, não era um risco jurídico a ser contido, mas uma dívida humana a ser paga às vítimas de um descaso brutal.
A fotografia sombria e a trilha sonora contida ajudam a construir a atmosfera de tensão e impotência que permeia o filme. A atuação de Mark Ruffalo transmite com precisão a angústia e a firmeza de um homem comum que decide, contra todas as expectativas, fazer o que é certo. É esse gesto que torna o filme tão impactante: ele não glorifica heróis extraordinários, mas celebra a coragem silenciosa de quem não se rende à lógica perversa de um sistema que naturalizou a impunidade.
A luta de Bilott durou mais de vinte anos. Ele venceu processos, revelou a verdade ao mundo, forçou uma das maiores empresas dos Estados Unidos a indenizar milhares de vítimas e fez com que o PFOA fosse reconhecido como um risco à saúde global. Mesmo assim, nunca voltou a ser o mesmo – porque lutar pela justiça, no mundo real, tem consequências.
Os efeitos do caso vão muito além da ficção. Após anos de litígio, Robert Bilott conseguiu forçar a DuPont a firmar um acordo judicial de US$ 671 milhões em 2017, destinado a indenizar mais de 3.500 pessoas que desenvolveram doenças graves — como câncer de testículo, câncer de rim, doença da tireoide, colite ulcerativa e pré-eclâmpsia — devido à exposição ao PFOA.
Além disso, a pressão pública e científica gerada pela revelação do caso resultou em novas regulamentações ambientais nos Estados Unidos e internacionalmente. Estudos epidemiológicos financiados após os acordos judiciais comprovaram os efeitos tóxicos do composto, o que levou a Agência de Proteção Ambiental (EPA) a revisar seus parâmetros e limitar severamente o uso do PFOA e outras substâncias da mesma classe, conhecidas como “forever chemicals” por não se degradarem no ambiente.
Robert Bilott também escreveu um livro sobre sua experiência, Exposure (2019), e passou a atuar como defensor público em questões ambientais. Desde o lançamento do filme, aumentou o número de ações judiciais envolvendo contaminações químicas semelhantes, e outras empresas foram investigadas por condutas parecidas. O impacto do caso e da obra cinematográfica foi tão profundo que influenciou até debates no Congresso norte-americano sobre responsabilidade ambiental corporativa.
Mas o filme deixa claro: vale a pena. Porque quando a moral prevalece sobre o lucro, ainda que a vitória venha a duras penas, ela é um sinal de que nem tudo está perdido. Em tempos de retrocessos ambientais, conivência institucional e desinformação corporativa, tempos em que a degradação ambiental avança de mãos dadas com o negacionismo, o filme ecoa como um alerta e um chamado à ação.
Dark Waters nos lembra que a verdade pode ser abafada, mas não destruída – e que há sempre alguém disposto a carregá-la, mesmo que sozinho. É um lembrete de que justiça não é uma abstração: é feita por mãos humanas, movidas por coragem e por consciência.
Vale a pena assistir.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.
Foto capa: Reprodução/Divulgação