O ditado popular “a voz do povo é a voz de Deus” passa a ideia de que a opinião
coletiva, ou o senso comum do povo, representa uma sabedoria superior — quase
divina. Ele sugere que, quando muitas pessoas compartilham uma mesma percepção,
desejo ou julgamento, isso deve ser levado a sério, pois pode representar uma verdade
inegável.
Não recomendo comprar pelo valor de face, ou seja, admitir como totalmente
verdadeira, essa ingênua boa vontade com a “sabedoria popular”.
Há muitos casos em que essa dita sapiência não tem nenhuma lógica; algumas em que
duas frases conflitantes aparecem juntas, e outras que encerram uma tolice evidente.
Alguns exemplos: quando dizem que “quem espera sempre alcança” e que “Deus
ajuda a quem cedo madruga” louvam ao mesmo tempo, a paciência de um e a
ansiedade do outro. Da mesma forma, “quem não arrisca não petisca” destoa de
“cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”. No caso da tolice evidente,
temos “uns gostam dos olhos, outros da remela”. Você conhece alguém que goste de
remela?
Enfim, chegamos ao ponto central deste artigo. A frase “a polícia prende e a justiça
solta” é muito repetida no Brasil. Perguntei a algumas pessoas que acreditam nela, o
motivo que levaria a justiça a soltar alguém que foi preso.
A resposta mais repetida foi “os juízes recebem dinheiro para soltar os criminosos”.
Em segundo lugar apareceu “intimidação dos magistrados feita pelos marginais.”
A diversos interlocutores indaguei se sabiam o que era audiência de custódia. Não
sabiam, o que não é nenhum demérito, posto que a palavra custódia é usada em
poucos e restritos ambientes.
Na resposta que aponta a venalidade dos juízes, de cara, aparece a fragilidade que
sustenta a percepção: a maioria absoluta das audiências de custódia atende casos de
bandidinhos mequetrefes que não têm dinheiro suficiente para tentar seduzir os
julgadores.
Na segunda – intimidação – os indagados mostram desconhecer a dificuldade de ter
acesso ao magistrado que presidirá a sessão – o que está de plantão – para ameaçá-lo.
A essa altura do artigo, é bom explicar que não tenho formação em direito e que no
máximo sei que a lei brasileira prevê a qualquer pessoa presa em flagrante, o direito
de ser ouvida por um juiz, na presença de um promotor de justiça e de um defensor,
ocasião em que será decidido seu futuro.
Por que um juiz optaria pela soltura do suposto criminoso que está sendo julgado se
ele, como cidadão comum, após despir a toga, estará sujeito aos mesmos perigos que
corremos todos com a proliferação de criminosos soltos na rua?
Parece-me, pois, que confiar na sabedoria popular, afirmando que “A Polícia Prende e
a Justiça Solta” desmerece o judiciário. A história mostra que atacar as instituições tem
sido a ferramenta preferida dos ditadores para minar as democracias. Há pouco tempo
houve um ataque planejado para desacreditar o Processo Eleitoral brasileiro, o
Supremo, as Universidades e a Imprensa, intentando desestabilizar o País. Alguns
foram presos; outros já estão com as celas reservadas, aguardando o dia do check-in.
Renato de Paiva Pereira.