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Tá barato! Vídeos viralizam no TikTok ao mostrar a suposta produção de bolsas de luxo na China

Nas últimas semanas, vídeos com milhões de visualizações no TikTok têm gerado barulho ao mostrar supostos trabalhadores chineses fabricando bolsas idênticas às vendidas por marcas como Louis Vuitton e Chanel. Em inglês e voltados ao público norte-americano, os vídeos questionam os altos preços cobrados nos EUA diante de uma alegada produção de baixo custo na China. A viralização coincide com o anúncio de novas tarifas sobre produtos chineses pelo presidente Donald Trump, parte de sua tentativa de reduzir a dependência econômica da China.

Em um dos vídeos mais compartilhados, um operário exibe uma linha de produção e afirma que “nos EUA é caríssimo, sendo que aqui a produção é baratinha”. Em outro, um usuário diz que “as bolsas chegam quase prontas das fábricas chinesas, e nos EUA só colam o logo”. O conteúdo levanta questionamentos legítimos sobre a origem e os custos reais da produção de itens de luxo, mas também traz dúvidas quanto sua veracidade e intenções.

Para especialistas ouvidos pelo Estadão, os vídeos simplificam e distorcem uma cadeia produtiva complexa e globalizada. “O custo de produção é, de fato, muito menor do que o valor cobrado. Mas essas marcas não vendem apenas um produto físico: vendem símbolos, tendências, posicionamento, canais de distribuição e todo um processo criativo por trás”, afirma Cristina Helena Pinto de Mello, professora de Economia da PUC-SP.

Um exemplo de valores propagandeados nos vídeos se refere às bolsas Birkin, que custam cerca de US$ 38 mil nos EUA. A produção afirma que o mesmo item poderia sair por cerca de US$ 1.000 se comprada diretamente da fábrica na China. Isso porque, mesmo considerando que os materiais que vem da Europa, o custo de produção no continente europeu eleva bastante o valor final. Já na China, onde a mão de obra é mais barata, a mesma bolsa poderia ser produzida por cerca de US$ 1.000. Segundo ele, a diferença de preço cobrada nos EUA se deve, principalmente, ao valor agregado da marca.

Os vídeos, no entanto, também não levam em consideração o custo de distribuição e taxas de importação em diferentes países – também não fazem referência ao fato de que raramente fábricas vendem itens avulsos, especialmente para exportação.

Segundo Eduardo Menicucci, professor da Fundação Dom Cabral, a diferença nos custos de produção é real, mas precisa ser analisada considerando fatores regulatórios, sociais e ambientais. “Na China, os direitos trabalhistas são muito diferentes dos EUA e da Europa. Além disso, a pauta ESG ainda tem pouca força por lá. Isso ajuda a reduzir custos. A estrutura tributária chinesa também favorece a exportação, com isenção de impostos sobre insumos destinados a produtos que serão enviados ao exterior”.

Para quem se animar mesmo assim a tentar comprar uma bolsa diretamente da fábrica chinesa, Juliana Inhasz, professora do Insper, reforça que, embora muitos itens sejam montados em países com mão de obra mais barata, como a China, isso não significa que sejam falsificadas nem que as marcas estejam enganando o consumidor.

“No geral, essas bolsas já carregam uma percepção de valor e utilizam matéria-prima que costuma ser adquirida de fornecedores, muitas vezes internacionais. Na China, costuma-se montar a maior parte da produção: fazer a costura, aplicar as alças, colocar as tags da marca, entre outras etapas. Esse produto pode ser totalmente finalizado lá ou ter apenas parte da montagem feita na China, sendo concluído em outro lugar. A fábrica normalmente compra o couro ou o material da bolsa já pronto, e há diversos fornecedores pelo mundo, especialmente no caso do couro”, explica ela.

Governo chinês estaria por trás dos vídeos?

Os vídeos começaram a circular dias após Trump anunciar novas tarifas sobre produtos importados da China, o que levantou especulações sobre uma possível intenção política por trás da viralização, inclusive sobre o eventual envolvimento do governo chinês para desestabilizar a imagem de marcas ocidentais.

Essa hipótese, no entanto, é vista com ceticismo pelos especialistas, ainda que o ambiente digital chinês seja amplamente fiscalizado pelo governo. “Acho exagerado dizer que os vídeos sejam propaganda estatal. Pode até haver alguma participação, mas me parece mais uma reação defensiva”, diz Menicucci. “É uma maneira de mostrar que a China também produz luxo, e por um custo bem menor”.

Juliana também considera improvável o envolvimento do governo chinês. “Acho que são conteúdos espontâneos, talvez feitos por trabalhadores de fábricas, inclusive de fábricas que produzem réplicas ou integram a cadeia de fornecimento de marcas originais”.

A indústria global da moda de luxo é, de fato, complexa. Embora marcas como Hermès e Prada garantam que produzem majoritariamente em países como França e Itália, algumas etapas podem ser terceirizadas na Ásia, como montagem, acabamento ou fornecimento de peças específicas.

O índice Lyst de 2024, relatório trimestral da plataforma global de moda, aponta que Prada, Miu Miu e Saint Laurent estão entre as marcas mais populares no mundo, com produção concentrada na Europa.

Há também regulamentações rígidas. Nos EUA, a Comissão Federal de Comércio exige que produtos rotulados como “Made in USA” tenham sido “total ou quase totalmente” produzidos no país. Na Europa, regras semelhantes valem para rótulos como “Made in France” ou “Made in Italy”.

Ainda assim, a lógica econômica que favoreceu a China como centro de fabricação global permanece válida. “Mesmo com custos logísticos, ainda é mais barato produzir lá do que nos EUA”, diz Juliana. “A China oferece mais mão de obra, regras trabalhistas mais flexíveis e um câmbio depreciado, o que torna os preços muito mais competitivos”.

Cristina Helena destaca que os vídeos mostram apenas parte da realidade. “Eles exibem o produto final, mas por trás disso há distribuição, branding, equipes criativas e até disputas autorais. O custo de produção pode ser baixo, mas o valor agregado é construído de muitas outras formas”.

Valor simbólico vs custo real

Os vídeos também reacendem o debate sobre o real valor dos produtos de luxo. “Essas bolsas não são compradas pelo valor de uso, mas pelo que representam: status, exclusividade”, afirma Cristina. “A percepção de escassez frente à demanda ajuda a elevar os preços. É oferta e demanda”.

O novo tarifaço de Trump, que aumenta impostos sobre produtos chineses, é o contexto geopolítico da discussão. O objetivo é pressionar a volta de fábricas para os EUA, mas, segundo Juliana, não está claro se isso será suficiente para reverter décadas de desindustrialização. “Só um subsídio estatal muito forte ou tarifas agressivas poderiam mudar esse cenário”.

As tarifas foram anunciadas no início deste mês, quando o presidente americano intensificou sua política comercial ao anunciar o chamado “Liberation Day”, impondo tarifa universal de 10% sobre todas as importações, exceto as provenientes do Canadá e do México. Além disso, foram aplicadas tarifas adicionais específicas, como uma tarifa de 34% sobre produtos chineses, elevando a carga tributária total sobre essas importações para 54% a partir de 9 de abril.

A China respondeu rapidamente, aumentando suas tarifas sobre produtos americanos para 125% e suspendendo exportações de minerais essenciais para setores como automotivo e tecnologia. Internamente, as políticas tarifárias de Trump geraram reações mistas. Enquanto alguns setores industriais apoiam as medidas como forma de revitalizar a indústria americana, outros alertam para os custos adicionais para consumidores e empresas. Na semana passada, Trump reverteu parte das tarifas para quase todos os países, exceto a China – nesta semana, o governo americano fez uma correção ao tamanho da tarifa para produtos chineses e ele ficou ainda maior: 245%.

Estadão Conteudo

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