Circuito Cinema

Filme revela imagens inéditas dos dias do golpe em 1964

 
O G1 assistiu a uma versão inicial do filme já montado, que inclui as cenas captadas pelas lentes de Manzon. Elas mostram a agitação popular com tanques cercando o Ministério da Guerra e a Esplanada dos Ministérios. O avanço dos militares faria o então presidente João Goulart (1919-1976) a tomar um avião para o Rio Grande de Sul, levando-o à deposição.
 
Embora revelados, os rolos nunca haviam sido projetados e foram encontrados pela produção do filme quase intactos, sob posse dos herdeiros do cinegrafista, famoso na época por produzir o "Jornal da tela", noticiário exibido nas salas de cinema antes dos filmes.
Coprodutor do longa, o escritor Luiz Fernando Emediato acredita que o próprio Manzon, na época um documentarista ligado a grupos de oposição ao presidente, tenha mantido as filmagens em segredo propositalmente.
 
"Possivelmente, quem estava filmando nem sabia direito o que era aquilo. Ele filmou de manhã, e imagino que só quando chegou a noite percebeu que era um golpe. Sendo ele um homem ligado às forças conservadoras, por que diabos ele ia, uma semana depois, com aquilo revelado, mostrar a truculência na rua? Falando francamente, o Jean Manzon autocensurou o seu rico material. E ele ficou dormindo lá 50 anos", diz Emediato.
 
Diretor de "O outro lado do paraíso", o cineasta André Ristum conta que se surpreendeu ao encontrar o material durante a pesquisa para montagem do longa. Além da qualidade técnica das imagens, ele destaca o olhar do cinegrafista, que registrava "com a alma" um evento que, naqueles dias, poucos ainda entendiam se tratar de um golpe de Estado.
"É um olhar muito interessado na reação das pessoas. A riqueza do material está nessa observação, uma coisa bem adequada e bem conectada com a surpresa e a curiosidade das próprias pessoas. Mas parece que nem ele está entendendo o que está acontecendo ali", aponta Ristum.
 
Sonho golpeado
Adaptação de um conto homônimo e autobiográfico do coprodutor Luiz Fernando Emediato, "O outro lado do paraíso" (veja imagens do filme mais abaixo) conta a história de uma família pobre do interior de Minas Gerais que tenta a sorte indo para Brasília e que, com o golpe militar, vê destruído seu sonho de prosperidade prometido nas reformas de Jango.
O desejo de enriquecer em Brasília começa a se desmanchar quando Antonio, sua mulher e os três filhos vão parar na vizinha Taguatinga, na época uma espécie de cidade-acampamento, onde viviam em casebres improvisados os operários que erguiam a nova capital do país.
O pesadelo se torna real a partir do golpe, quando o pai de família vai preso por se envolver no sindicalismo, acusado de estar a serviço da instalação do comunismo no Brasil, principal motivação do temor de grupos conservadores em relação ao governo Jango.
 
O que aconteceu com meu pai aconteceu com milhões de brasileiros, que se tivessem tido acesso à terra teriam ficado no campo e estariam hoje produzindo alimentos. Teriam tido acesso à educação, seus filhos teriam passado pela universidade e teriam ajudado o país a crescer", reflete Emediato. "Por medo do comunismo e da Guerra Fria, tivemos essa tragédia", completa o escritor.
 
No filme, a história é narrada por um dos filhos de Antonio, Nando, que ainda criança busca compreender, pelos livros, como a política pode afetar, para melhor ou pior, a vida de pessoas comuns, como a de seu pai.
O diretor André Ristum (que filmou também "Tempo de resistência", de 2003; e "Meu país", de 2011) diz que seu interesse pelo longa surgiu por essa ligação entre a relação de um pai com o filho e os sonhos destruídos pela repressão política.
 
"Muitos filmes abordam esse período, contando histórias de personagens muito politizados, guerrilheiros torturados e perseguidos, por exemplo. A gente está contando uma história diferente, de pessoas que tiveram, sim, sua vida afetada pelo golpe, gravemente, mas que não tinham esse envolvimento nem essa pretensão de ficar lutando contra o regime", explica.
A ideia de filmar o conto de Emediato partiu do coprodutor Nilson Rodrigues, que se apaixonou pela história quando a leu, ainda adolescente, há 30 anos. As filmagens começaram em abril de 2013, no Polo de Cinema de Sobradinho, próximo a Brasília. Antes do lançamento, no segundo semestre deste ano, o filme ainda deve passar por alguns festivais no Brasil e no exterior.
 
G1

Redação

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