RESUMO
Este artigo explora a cultura do cancelamento como uma manifestação contemporânea das guerras culturais, analisando seus impactos no debate público, na saúde mental das pessoas envolvidas e na dinâmica das redes sociais.
A partir de referências teóricas da disciplina “Guerras Culturais” da FAAP se procurou investigar, ainda que an passant, como a polarização ideológica e o ativismo digital moldam comportamentos e redefinem o espaço democrático.
A análise destaca alguns exemplos concretos de cancelamento de figuras públicas e o papel das plataformas digitais na amplificação desse fenômeno, contribuindo para um ambiente de tensão constante entre liberdade de expressão e responsabilização social.
PALAVRAS-CHAVE: Cultura do cancelamento, Guerras culturais, Redes sociais, Polarização, Liberdade de expressão.
1. INTRODUÇÃO
A cultura do cancelamento emergiu como um dos fenômenos mais debatidos da última década, refletindo uma disputa intensa em torno de valores, comportamentos e discursos, especialmente no contexto de sociedades altamente conectadas e polarizadas.
O conceito se refere à prática de expor e boicotar figuras públicas, empresas ou instituições que tenham manifestado opiniões ou adotado comportamentos considerados ofensivos ou inadequados por determinados grupos.
Por sua vez, o cancelamento se tornou um campo de batalha das guerras culturais, revelando as tensões entre justiça social, liberdade de expressão e os limites da responsabilização individual.
O artigo aborda como a lógica algorítmica das plataformas digitais amplifica comportamentos punitivos e molda dinâmicas sociais em larga escala, promovendo debates acalorados e, por vezes, gerando consequências irreversíveis para os indivíduos envolvidos.
Por fim, examina o papel das redes sociais na disseminação e amplificação da cultura do cancelamento, explorando como esse fenômeno impacta a esfera pública.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Hunter (1991) descreve as guerras culturais como disputas que envolvem visões divergentes sobre moralidade, identidade e a definição de normas sociais aceitáveis, promovendo divisões profundas na sociedade. Segundo suas lições, essas batalhas culturais frequentemente emergem em momentos de transição, quando normas tradicionais são desafiadas por movimentos progressistas.
Modo outro, Himmelfarb (2001) complementa essa análise ao destacar o embate entre culturas tradicionais e progressistas nos Estados Unidos. E a cultura do cancelamento se insere nesse contexto como uma ferramenta de pressão social utilizada por grupos que buscam corrigir injustiças percebidas, mas que também pode resultar em excessos e injustiças.
E relaciona a era da pós-verdade com o crescimento do cancelamento, D’Ancona (2018) destaca a importância das emoções e crenças pessoais na formulação de julgamentos, enquanto Empoli (2019) aponta o papel das redes sociais na mobilização de massas e na formação de narrativas polarizadoras, criando ambientes propícios para o surgimento de campanhas de cancelamento.
3. ALGUNS EXEMPLOS NOTÁVEIS DE CANCELAMENTO
Inicialmente se rememora que um exemplo marcante de cancelamento foi o de Gina Carano, atriz da série ‘The Mandalorian’, demitida após postagens consideradas transfóbicas e de comparação entre perseguições na pandemia e o Holocausto. Esse caso ilustra como empresas de entretenimento respondem rapidamente a pressões do público para proteger sua imagem.
Um outro exemplo a ser lembrado é o do empresário e influenciador digital Felipe Neto, que frequentemente enfrenta cancelamentos em massa devido a opiniões políticas, destacando-se a volatilidade do ambiente online e as repercussões pessoais e profissionais que isso pode gerar.
Casos emblemáticos de cancelamento ainda incluem personalidades como a escritora J.K. Rowling, cuja posição sobre questões de identidade de gênero gerou intensa controvérsia e reacendeu o debate sobre liberdade de expressão e responsabilidade social, além de Kevin Hart, que perdeu a oportunidade de apresentar o Oscar devido a tweets antigos considerados homofóbicos, evidenciando como erros passados podem ressurgir e moldar narrativas atuais.
No Brasil, algumas figuras consideradas como públicas enfrentaram reações severas após declarações controversas, conforme veiculado maciçamente pela mídia nacional. Monark (Bruno Aiub) foi afastado do Flow podcast e depois houve a compra de sua participação na sociedade do Estúdios Flow por declarações discriminatórias e injuriantes.
E Karol Conká, participante do BBB21 por postura xenofóbica e humilhadora teve a perda de seguidores, de patrocínio da Skol, e ainda a perda do programa “Prazer Feminino” no GNT, com cancelamento de apresentação em festivais e perda do apoio de outros artistas e até mesmo de parte do seu público.
Esses episódios demonstram como a cultura do cancelamento se manifesta em diversas esferas, desde o entretenimento até a política, criando um ambiente de constante vigilância e julgamento público.
Além disso, ilustram como as redes sociais facilitam a amplificação de narrativas punitivas, muitas vezes sem espaço para o contraditório ou a recuperação da reputação dos indivíduos afetados.
4. ANÁLISE CRÍTICA E DISCUSSÃO
Embora a cultura do cancelamento possa ser vista como uma ferramenta de justiça social, sua aplicação desmedida levanta questões sobre os limites da liberdade de expressão e a possibilidade de censura social.
A polarização impulsionada pelas redes sociais intensifica essa dinâmica, dificultando o diálogo, reforçando a fragmentação ideológica e exacerbando a sensação de “tribalismo digital”, onde grupos se isolam em bolhas de opinião.
Conforme apontado por Prado (2021), o cancelamento muitas vezes reflete um desejo de punição instantânea, ignorando o contexto ou a evolução das opiniões e comportamentos ao longo do tempo.
Ao mesmo tempo, a ausência de mecanismos claros para lidar com o cancelamento cria incertezas e receios que afetam a liberdade de expressão e a disposição para o debate público, essencial em sociedades democráticas.
Essa lacuna regulatória também incentiva o comportamento de “tribunais virtuais”, nos quais a opinião pública atua como juiz e júri em questões complexas, sem direito a nenhum recurso após o julgamento realizado.
5. CONCLUSÃO
A cultura do cancelamento representa um reflexo das guerras culturais na sociedade contemporânea, trazendo à tona dilemas complexos sobre justiça, responsabilidade e liberdade de expressão.
Para mitigar os impactos negativos desse fenômeno, é fundamental promover uma cultura de diálogo, tolerância e compreensão mútua, aliada a políticas públicas que incentivem a educação digital, o combate à desinformação e a regulação ética das plataformas digitais.
A educação midiática e a conscientização sobre os riscos da polarização podem contribuir para um ambiente mais saudável e democrático nas redes sociais e na esfera pública.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
D’ANCONA, Matthew. Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de Fake News. Tradução: Carlos Szlak. 1 ed. Barueri: Faro Editorial, 2018.
EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos. São Paulo: Vestígio, 2019.
HIMMELFARB, Gertrude. One Nation, Two Cultures. New York: Vintage Books, 2001.
HUNTER, James Davison. Culture Wars: The Struggle to Define America. New York: Basic Books, 1991.
PRADO, Michele. Tempestade Ideológica: Bolsonarismo, a alt-right e o populismo iliberal no Brasil. São Paulo: Lux, 2021.