O escritor e poeta brasileiro Affonso Romano de SantAnna morreu na manhã desta terça-feira, 4, aos 87 anos. O autor, que morava no Rio de Janeiro, foi diagnosticado com Alzheimer em 2017. O escritor, que estava acamado havia quatro anos, era casado com a também escritora Marina Colasanti. Ela morreu em janeiro deste ano, também aos 87 anos. Affonso deixa uma filha, a atriz e cineasta Alessandra Colasanti. O velório será realizado nesta quarta-feira, 5, das 11h às 14h, na Capela Histórica do Cemitério da Penitência, no Rio.
Nascido em Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais, o autor escreveu mais de 60 livros ao longo de seis décadas de carreira. Seu primeiro livro a atingir um público amplo e ser celebrado pela crítica foi Que País É Este?, cujo título vem do principal poema da coletânea, publicado em uma página inteira do Jornal do Brasil em plena ditadura militar.
“Uma coisa é um país/ outra um ajuntamento.// Uma coisa é um país,/ outra um regimento.// Uma coisa é um país, outra o confinamento.// Mas já soube datas, guerras, estátuas/ usei caderno Avante/ – e desfilei de tênis para o ditador./ Vinha de um berço esplêndido para um futuro radioso e éramos maiores em tudo/ discursando rios e pretensão.// Uma coisa é um país,/ outra um fingimento.// Uma coisa é um país/ outra um monumento.// Uma coisa é um país,/ outra o aviltamento”, dizia o texto.
O trabalho como poeta convivia com o do ensaísta e pesquisador dedicado a estudar a obra de outros autores, como Carlos Drummond de Andrade – sobre quem lançou o livro O Gauche no Tempo -, Jorge de Lima e João Cabral de Melo Neto (que foi tema do livro Entre Drummond e Cabral, no qual ele explora a relação entre os autores, no limiar entre a filiação a um determinado fazer literário e a elaboração de uma identidade própria).
O interesse pela arte da escrita também se faz presente na coletânea de ensaios A Cegueira e o Saber, em que discute a criação de autores como Gustave Flaubert, Marcel Proust, André Gide e Clarice Lispector, entre outros. Muitos de seus textos foram publicados na imprensa, em veículos como o Estadão. Em outubro de 2011, por exemplo, questionou o modo como o meio literário entendia a criação.
“Há no espaço artístico, aquilo que há mais de 40 anos tenho chamado de luta pelo poder literário. Uma das manifestações mais sutis e alcandoradas disto está numa reminiscência monárquica (e redutora), que faz com que se pense que um poeta esteja passando o cetro a um outro. Lembrança serôdia, talvez, da síndrome do príncipe dos poetas ou do poeta da corte, como era antigamente.”
DESTINO
Em 2011, ele lançou Sísifo Desce a Montanha, em que reflete sobre a passagem do tempo e a finitude. “Como o próprio autor assinala, um livro de poemas não deve simplesmente ser uma coleção de textos aleatórios, e sim resultado de um projeto que se pode esgotar ali ou ter prosseguimento. Nem sempre o que um poema diz corresponde a uma realização”, escreveu sobre a obra no caderno Sabático, do Estadão, em novembro de 2011, o jornalista, professor e crítico Moacir Amâncio. “Mas isso ocorre neste livro, sólido em sua temática, uma longa reflexão fragmentária sobre as variações da vida e a unicidade da morte. São interrogações, notas líricas, de um eu lírico que vibra com o que poderíamos chamar de epifanias para o bem e para o mal, com o distanciamento da ironia e do humor inteligente”, completou.
ACADEMIA
Romano de SantAnna também teve atuação na academia, como professor e dirigindo o departamento de Letras da PUC-Rio entre 1973 e 1976. Também lecionou no exterior, em faculdades dos Estados Unidos, da Alemanha, de Portugal e da França.
Ele presidiu a Biblioteca Nacional entre 1990 e 1996 e foi responsável, entre outras medidas, pela criação do Programa Nacional de Incentivo à Leitura, que está ativo até hoje. Também criou o programa de bolsas para tradução de literatura brasileira no exterior.
No livro Ler o Mundo, ele recordou o momento em que assumiu o cargo: “Em 1990, o governo Collor iniciou uma reforma (a que outros também chamam de desmonte) de várias instituições federais”. Foi quando a Biblioteca Nacional recebeu o prefixo fundação, passando a agregar o Instituto Nacional do Livro. “No lugar do INL, o governo mandava instalar um precaríssimo departamento nos quadros da biblioteca”, lembrou. Se o formato acabou se desenvolvendo foi por causa da gestão do autor, que atravessou seis anos e seis ministros da Cultura.