o carnaval acaba, o glitter resiste, a rotina espera. mas será que a gente precisa
esperar o próximo feriado pra viver de verdade?
o carnaval é aquele momento em que tudo pode, tudo vale, tudo faz sentido – ou pelo
menos a gente finge que sim. quatro dias pra esquecer boleto, chefe chato e toda essa
burocracia da vida adulta. quatro dias pra ser quem quiser, pra se jogar na rua, pra beijar
desconhecido e dançar até o joelho pedir arrego. mas aí vem a quarta-feira.
e o que sobra depois do último bloquinho? depois do último gole, do último beijo
roubado, do último grito de euforia antes do corpo lembrar que precisa de descanso? a
quarta-feira de cinzas chega mansa, mas não perdoa. é aquele silêncio estranho, o confete
grudado no chão, o glitter que resiste no rosto, mesmo depois de três banhos. não tem mais
trio elétrico, só eco. não tem mais multidão, só você e esse espelho que insiste em
perguntar: e agora?
o carnaval é fuga, mas também é revelação. a gente passa dias vivendo sem
freio, sem regras, sem medo de errar. e aí, de repente, precisa voltar a encaixar no formato
esperado. só que depois de tanta cor, de tanta liberdade, a rotina parece ainda mais cinza.
por que é tão difícil ser um pouco mais livre o resto do ano? por que a gente só se autoriza
a viver de verdade quando tem feriado pra justificar?
talvez a quarta-feira de cinzas não seja só o fim da festa. talvez seja um lembrete. de
que dá pra carregar um pouco da ousadia, da leveza, da coragem de ser quem quiser,
mesmo sem confete jogado do alto. porque no fim das contas, a maior mentira do carnaval
não é a fantasia – é achar que só podemos ser livres quando alguém diz que tá permitido.
e se, em vez de esperar o próximo carnaval, a gente começasse a improvisar nossos
próprios bloquinhos pelo caminho? talvez a vida não precise ser só segunda-feira eterna
esperando por um feriado pra respirar. talvez a gente só precise entender que dá pra
colocar um pouco de folia no meio da rotina, sem precisar de autorização.

@enricopierroofc
Foto Capa: Reprodução